Os imigrantes alemães chegaram ao Litoral Norte gaúcho, ao Cantão das Torres, em 17 de novembro de 1826. Essa é a data oficial registrada na historiografia em que todas as famílias e solteiros já estavam arranchados em Torres. O correto, porém, é que eles foram chegando em grupos próximos a essa data. A partir daí, e da separação em Católicos e Protestantes (pois esses tinham entre eles um pastor e um médico e assim poderiam ficar mais longe do núcleo urbano de Torres, ainda em formação), somente em agosto de 1827 fixaram-se em Três Forquilhas (Protestantes) e em meados de 1828 em Colônia São Pedro (Católicos).


Eram trabalhadores e dedicados à agricultura. Tinham aqui terras férteis e abundantes, clima propicio à agricultura; estavam longe das guerras e livre das taxas e impostos, apesar de enfrentarem o isolamento da distância de centros maiores (Porto Alegre e Laguna/SC). Receberam os insumos prometidos pelo Império, como ferramentas, sementes, animais. Mas sofriam as dificuldades do escoamento das safras por falta de estradas ou o transtorno natural pelo transporte em carretas de boi, lanchas, pequenos barcos, etc. Esperavam o tão sonhado porto marítimo em Torres cuja implantação faria parte da infraestrutura das colônias. Foi nesse ambiente que os colonos alemães dedicaram-se à agricultura e a cultivar batata, feijão, mandioca e cana-de-açúcar, entre outras culturas que foram aprendendo aqui. A partir da cana eles iniciaram a produção de cachaça que ajudou-os a se manter e até a prosperar. Os primeiros engenhos de cana no Litoral Norte haviam sido introduzidos pelos portugueses em 1770, portanto 56 anos antes, em Santo Antônio da Patrulha, pelos irmãos Manoel e Antonio Nunes Bemfica, naturais da Freguesia de N. Srª. do Amparo de Bemfica, do Patriarcado de Lisboa, Portugal. Outro introdutor foi Domingos Fernandes Lima, em 1773, com seu engenho de cana-de-açúcar às margens da Lagoa Pingüela, na Estância da Serra (hoje Osório). Ele era natural da Ilha da Madeira e foi de lá que vieram as primeiras mudas de cana-de-açúcar trazidas ao Rio Grande do Sul. Em sua tese de Doutorado de 2006 para a PUCRS sob o título “Moendas Caladas”, a professora, historiadora e Doutora em História Vera Lúcia Maciel Barroso relata que “a difusão canavieira, ainda no século XVIII, é evidente no corredor norte-litorâneo. Na área há campos de várzeas, planas e levemente onduladas, cobertas com pastos nativos que chegam até quase ao sopé dos contrafortes da Serra Geral. A seguir, adentrando-se, depara-se com as encostas em aclives, ora suaves ou abruptas, com degraus penetrando pelo interior da serra, até atingir outras áreas, mais profundas e mais distantes. Esses terrenos foram ao longo dos anos sendo desmatados, deixando os solos erodidos e esgotados pelo uso indevido. A amenidade do clima, dada a influência termo-reguladora do mar, é amplamente favorável à cultura da cana-de-açúcar. Esse largo território do Litoral Norte pertencia ao primitivo município de Santo 
Antônio da Patrulha. Ou seja, essa faixa que incluía a Freguesia de Santo Antônio da Guarda Velha (depois Patrulha) mais a área de Palmares do Sul até o Presídio das Torres...” Heinrich W. Bunse, ao estudar essa região do Rio Grande do Sul, referida como uma de suas zonas produtoras de cana, concluiu que ela chegou ao século XX com a cultura primitiva preservada no processo de sua manufaturação. Ele focou sua pesquisa nos municípios de Gravataí, Santo Antônio, Osório e Torres. Para Bunse, as razões da assumida identidade canavieira não se resumem à sua condição introdutória, quando do povoamento inicial desse espaço, mas residem, também, nas suas condições ecológicas especiais. Afirma Bunse que nem todas as regiões do Estado são apropriadas para o seu cultivo, e destaca: “Nesta zona (Litoral Norte do RS) ocorre um fenômeno meteorológico que os técnicos chamam de 'inversão': a geada afeta somente os terrenos até uma altura de mais ou menos 50 metros sobre o nível do mar. Os terrenos compreendidos entre as alturas de 50 até 300 metros ficam completamente livres devido a uma camada de ar mais quente. Por isso, não encontramos canaviais na planície, nem em terrenos acima de 300 metros.” 
Em resumo, os alemães tinham terras e clima apropriado ao cultivo de cana-de-açúcar e disso tiraram proveito. E foi certamente do convívio com os açorianos que eles aprenderam o cultivo da cana e o fabrico da cachaça. O próprio Bunse chega a datar isso em 1826, mas é um exagero, pois somente em agosto de 1827 os Protestantes se instalaram em Três Forquilhas e em meados de 1828 os Católicos na Colônia São Pedro. Até construírem suas rústicas casas, implantarem suas lavouras, assimilarem a técnica do plantio e cultivo da cana, além do período normal de maturação dessa gramínea, levou um tempo mínimo de três anos ou até mais. Portanto, no mínimo as primeiras safras de cana devem ter ocorrido em 1829 e, a partir dessa data, a produção de cachaça. Vera Lúcia Maciel Barroso destaca a importância da produção canavieira para a Colônia São Pedro como forma de resistir ao isolamento e também a significância dos passageiros e tropeiros que por ali transitavam encontrarem a aguardente. Estabelecida em 1828, aColônia São Pedro encontrou na produção canavieira um esteio. Segundo Bunse, em Gravataí e algumas zonas de Santo Antônio da Patrulha dominava o fabrico da rapadura. Nas demais zonas do município patrulhense produziam-se mais o açúcar. Na região de Osório e Torres predominava quase exclusivamente a destilaria de aguardente, a cachaça – a caninha. Ao lado do engenho existia o alambique, o lambique, geralmente sob o mesmo teto do engenho, mas em nível mais baixo. E nas colônias alemãs de Três Forquilhas e Torres foram assimilados costumes luso-brasileiros, ao adotarem a economia ali já desenvolvida, como é o caso da produção canavieira. Passados 24 anos de sua chegada, os imigrantes já exportavam números expressivos de mandioca, café e algodão. Mas a arrecadação maior, em 1850, foi mesmo com a cana: 814.000 rapaduras e 91 pipas de aguardente (Três Forquilhas); 632 pipas de aguardente (São Pedro de Alcântara). O inspetor da Colônia, tenente-coronel Francisco de Paula Soares Gusmão, relata em suas Memórias, em 1844, a força e o crescimento da produção de cana-de-açúcar e de cachaça pelos alemães. Ele descreve a atuação dos alemães instalados havia 20 anos. Mas queixava-se das dificuldades de escoar a safra – e o consequente crescimento da região – pela falta de estradas e de um porto marítimo: “Somente o fabrico de aguardente da cana bastaria para elevar a Colônia a um alto grau de opulência. Esta via que até hoje seguem os colonos, moradores do Distrito de Torres para a exportação das suas aguardentes, couros e outros gêneros, diariamente se torna mais custosa pela exorbitância dos fretes das carretas, circunstância que os obriga a não exportarem as produções das suas lavouras, pois é o frete exigido, superior ao valor dos gêneros que podem trazer ao mercado.” No entanto, parece haver um exagero na contabilidade de Paula Soares transcrita no livro “O Colono Alemão”, ao informar que em 1829 a produção de cana tinha atingido na Colônia – ou seja, Três Forquilhas e Colônia São Pedro – 1.632.439 alqueires de cana de açúcar. Isso representaria um total de mais de 7.500 pipas de cachaça, algo impossível para a época. Paula Soares também extrapola em outros dados referentes à produção de milho, trigo, cevada, mandioca. Mas o da cana-de-açúcar é que chama mais atenção.  Os números fazem parte do Relatório que ele envia ao presidente da Província, parece querendo demonstrar a força e a pujança econômica da Colônia alemã. Talvez porque Paula Soares tenha sido o maior defensor e entusiasta de sua criação, a partir de 1822. De qualquer forma é estranhável que ele tenha exagerado nos números porque era um militar de carreira, zeloso de suas funções e obrigações. E o Relatório, um documento oficial. Também a Colônia de Três Forquilhas prosperou graças à produção de cachaça, rapadura e melado. Situada às margens do Rio Três Forquilhas, essa a colônia tinha a estrada da Serra pelo Vale mais favorável ao comércio com os serranos que iam à casa do colono adquirir diretamente os produtos que precisavam.  Fernandes Bastos explica: “...logo, compreenderam os colonos que a cultura mais rendosa lhes seria a cana-de-açúcar, não somente pela excelência das terras como pelo clima
da região. A ela dedicaram-se, pois, levantando também seus engenhos para fabrico de aguardente e rapaduras, produtos muito procurados pela gente da serra. [...] Trinta anos depois da fundação da colônia contavam-se ali 21 engenhos de cana e 40 de farinha.” Portanto, cerca de 20 anos depois de terem chegado ao Cantão das Torres, os colonos alemães católicos e protestantes já tinham incorporado ao hábito e à atividade econômica o preparo da cachaça, adquirido dos portugueses pioneiros introdutores da cana-de-açúcar na região. Só não tiraram maior proveito econômico da atividade devido às dificuldades de escoamento da safra, quer através de carretas de boi ou pelos rios e lagoas da região. O porto marítimo seria a grande salvação, mas não foi construído. Também os impostos aos produtores eram pesados e bem fiscalizados. Em 1822, conforme documentação da Câmara de Santo Antônio da Patrulha, uma pipa de cachaça – 500 litros – pagava 50 mil réis de impostos (atuais cerca de R$ 2.800,00, o que corresponderia a R$ 5,60 por litro). Esse valor “deveria ser afixado em local mais público da Freguesia”. Rendia tanto que em meados de 1828 a Câmara oficiou ao Inspetor-Chefe da Colônia e Comandante do Baluarte Ipiranga informando o envio de um oficial às Colônias “para cobrar os impostos de lojas, vendas e botequins sobre os produtos de aguardente e derivados”. O micro-historiador José Selau, em seu importante livro “Colônia de São Pedro”, relata que a partir de 1880, num esforço para agilizar o escoamento da safra, produtores como os Kreuzburg (atuais Krás Borges) e os Magnus, qualificados por Selau como “heróisaventureiros”, resolveram levar a cachaça diretamente a Porto Alegre. Idealizaram carretas especiais, com bitola diferenciada para enfrentar as areias mais profundas e estradas mal conservadas. Puxadas por 6 a 8 juntas de bois (de 12 a 16 animais), transportavam até 3 mil litros ou 6 pipas de cachaça. Levavam 15 dias para vencer a distância Colônia de São Pedro – Porto Alegre. Ali chegando, vendiam toda a produção. Outro hábito adquirido pelos alemães junto aos portugueses (ou quem sabe pelos alemães descoberto?!) foi a “mistura” do café preto com a cachaça. Era comum no café-da-manhã, antes de saírem para a lavoura ou mesmo nela já trabalhando, consumirem alguns goles da mistura chamada popularmente “mata-bicho”. Especialmente para aquecerem-se nas manhãs frias de inverno. Havia três tipos de “matabicho”: café com cachaça, quando a quantidade de café era maior; cachaça com café, porção em que ocorria o contrário; e ainda o “meio a meio”, ou seja igual quantidade de ambos. Nos botecos os alemães adquiriram o hábito de oferecer cachaça com ervas, como guaco, casca de canela, “mestruz” (uma espécie de arnica), agrião e até mesmo com alho. Costume que permanece até hoje não só pelos bares e restaurantes do interior gaúcho, como nos centros urbanos. O que ainda não se descobriu foi exatamente em que data a partir de 1828/29 e através de quem os alemães aprenderam o cultivo da cana e a obtenção de seus resultados, desde o recebimento da muda, plantio, depois colheita e preparo de todos os seus derivados, desde o açúcar mascavo, a garapa, a rapadura e a cachaça. 
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FONTES – Vera Lúcia Maciel Barroso – Moendas Caladas/2006/PUCRGS, Dissertação Doutorado em História; José Krás Selau – “Colônia São Pedro – Um Pouco de Sua História”, 1995; BUNSE, Heinrich W. A cana-de-açúcar. Correio do Povo, Porto Alegre, 12 mar. 1983. Letras & Livros, a. II, n. 79, p. 5. A terminologia da cana-de-açúcar no Rio Grande do Sul; Aurélio Porto livro “O Trabalho Alemão no RS”; Lézia Maria Cardoso de Figueiredo, Raízes Torres 1995 – Alguns Aspectos sobre a História do Presídio das Torres”; Ruy Ruben Ruschel, “Os Fortes de Torres”, edição EST 1999.




Uma carta que comprova o fato


17 de Novembro de 1826 é a data oficial - e final - que marca a chegada dos 421 colonos alemães a Torres. Não se sabe ainda onde toda essa gente ficou improvisadamente arranchada naqueles dias e meses. Os colonos protestantes foram instalados em definitivo apenas em agosto de 1827, quase dez meses depois da chegada; os católicos somente em meados de 1828. Dificuldades com enchente, demarcação das terras, insatisfação com áreas destinadas foram os principais motivos desse atraso na fixação definitiva dos colonos. Assim, é de se perguntar: onde ficaram os colonos durante todo esse período (no mínimo dez meses para os protestantes e quase dois anos para os católicos)?! Por certo é que no núcleo urbano da Vila ao redor da Igreja e da Guarda e Registro é que não. O local em que estavam arranchados é importante para se saber em que condições viviam e como se deu o contato deles com o Imperador Pedro I em 5 (ou em 25) de dezembro de 1826. Uma carta revelada recentemente comprova esse contato. Ela integra o livro do historiador e pesquisador Rodrigo Trespach, de Osório. Até então, o único documento que se conhecia sobre o fato era “Memórias das Torres”, escrito pelo tenente coronel Francisco de Paula Soares, comandante do Baluarte Ipiranga e Inspetor da Colônia Alemã de Torres, em 1844. Fornece, principalmente, algumas pistas sobre essa localização. Conforme esse documento, Paula Soares afirma que a implantação do Presídio e do Baluarte Ipiranga, a partir de 1819, e a construção da Igreja São Domingos (inaugurada em outubro de 1824 e ainda por concluir algumas partes do prédio) foram de fundamental importância para fixar o núcleo de Torres e atrair mais moradores para a região, principalmente provenientes de Santa Catarina. Paula Soares relata que em 1825 arranchou no lugar chamado “Potreiro” várias famílias vindas da Província vizinha e os moradores do rio Araranguá. Esse lugar, segundo ele, ficava às margens do rio Mampituba, no lado do Rio Grande do Sul, e próximo à barra. A dita barra localizava-se a cerca de dois quilômetros da atual, em direção ao Norte. O rio Mampituba “dobrava à esquerda”, em direção ao Norte, mais ou menos em frente aos fundos da sede da SAPT, e seguia seu curso paralelo ao mar por cerca de mais dois quilômetros. Depois da fixação dos molhes, na década de 1970, criou-se ali o “braço morto”. O rio já fazia a divisa das Províncias e em seu lado Oeste abrigava, em 1820, a Sesmaria dos Rodrigues, com 3 léguas de comprimento por 1 de largura; ou seja, 18 quilômetros por 6 de largura. Nessa nesga de terra com cerca de no máximo 500 metros de largura por dois quilômetros de extensão, Paula Soares disse que “arranchou” os moradores provenientes de Araranguá e também deve ter colocado ali os colonos alemães. É uma hipótese. Ele chama o lugar de “Potreiro”. Era a área mais provável, pois junto ao núcleo urbano não havia espaço. A pintura sobre a Vila de Torres atribuída a Jean Baptiste Debret ou a Nicolás Dreys, em 1828, comprova isso com a falta de moradias. Muito menos poderia alojá-los em direção a Oeste, pois a área era um enorme charco pantanoso.
Outro fato que pesa a favor da localização do “Potreiro” junto à barra, nessa faixa de terra, foi a grande pescaria de bagres ocorrida em 1825. Tanto peixe capturado, conforme o relato de Paula Soares, que foram remetidos em diversas carretas para venda no mercado de Laguna. Ora, somente no mar e principalmente próximo à barra se pescaria tanto assim. Já dentro do rio Mampituba, cerca de quatro quilômetros rio acima, não seria possível capturar essa quantidade. Os bagres renderam azeite e o peixe, tanto seco como o salgado, todos remetidos à Laguna. Com os recursos provenientes dessa pescaria Paula Soares disse ter condições de receber condignamente o Imperador um ano depois (mantida a grafia): “As vantagens do novo Prezidio convidarão a muitas família da Província vizinha a virem estabelecerem-se nelle pricipalmen.e e os moradores do rio ariranguá aos q.es aranxei no lugar denominado Potreiro junto a barra do Rio Mompituba em 1825, onde fizerão uma grande pescaria com a qual muito fartavão efectivam.e os habitantes do lugar com Peixe fresco e azeite do mesmo, sendo o seco, ou o Salgado remetidos em Carretas para o mercado da Laguna. Não foram perdidas as remessas assima relatadas como o tempo depois o Justificou; sem Ella eu me veria bastante embaraçado p.a receber dinam.te naquelle Prezidio o Augusto fundador do Impr.o...no remarcavel e gloriozo dia 5 de Dezembro de 1826 no Baloarte do Ypiranga das Torres...” Seria, então, ou no ponto relatado por Paula Soares, o “Potreiro”, ou mais junto ao núcleo urbano, na altura do que é hoje a Praia Grande, Praia dos Molhes. O historiador Ruy Ruben Ruschel, no entanto, tem outra hipótese sobre a localização do “Potreiro”. Na coluna semanal que mantinha no jornal Gazeta, escreveu em 1997 que o local seria mais ou menos onde atualmente é o bairro Getúlio Vargas. Ou seja, entre a avenida do Riacho (avenida Saint Hilaire) e a rua Coronel Pacheco em direção ao rio. Ruschel baseia-se em escrituras antigas, inventários de terras e moradias a que teve acesso, e depoimentos de moradores. Outro documento, um mapa intitulado “Povoamento de Torres”, traçado em 1842 por Jerônimo Coelho, informa que o “Potreiro” estaria cerca de 1 quilômetro “acima” – em direção ao Sul – onde se encontra a sede do Passo de Torres. Ficaria, conforme esse mapa, na confluência do rio Mampituba com um canal, uma sanga que desaguaria na Lagoa do Violão. De qualquer forma, as duas suposições levam a uma área de terras pantanosa, um charco, de difícil trânsito e moradia. Até nos idos de 1900 era difícil, praticamente impossível, transitar por ali, quanto mais morar ou construir. Talvez Paula Soares não fosse arranchar mulheres, crianças e 420 pessoas naquele local. Fico, então, com a descrição de Paula Soares de que o Potreiro localizava-se “junto a barra do Rio Mompituba” (mais ou menos dois quilômetros ao Norte da atual) e ali ele arranchou os colonos alemães.

A CARTA
O fato é que D. Pedro I manteve contato com os colonos alemães e isso está registrado. Não se sabe, porém ainda, se em 5 ou 25 de dezembro de 1826. Vamos à análise dos fatos. Sobre o contato do imperador com os alemães, em seu livro O Lavrador e o Sapateiro (EdiPUCRS, 2013), o historiador Rodrigo Trespach apresenta a transcrição de uma carta, também inédita na historiografia brasileira, do colono alemão Valentin Knopf, escrita em 1º de dezembro de 1827. Trata-se da única carta encontrada até agora em que um imigrante alemão faz um relato a seus parentes na Alemanha sobre a colonização em Três Forquilhas, para onde a leva de colonos protestantes (luteranos e calvinistas) havia sido assentada em 1º de agosto de 1827. Valentin Knopf faz um relato pormenorizado da vida e da situação da colônia no Vale das Três Forquilhas. Em certa altura da carta, ele informa que “quando o imperador esteve de passagem por aqui, deu graciosamente a cada pai de família quatro mil réis [equivalente a cerca de R$ 220,00]”. Knopf só não revela o dia do ocorrido. A carta talvez seja o único documento conhecido e público que ateste a visita do imperador. O “por aqui” de Knopf refere-se a Torres, pois nessa data (ou 5 ou 25 de dezembro) os colonos estavam em Torres. Mas ele não especifica o dia. Contra a hipótese de o encontro ter ocorrido dia 5 de dezembro concorre o fato de D. Pedro ter permanecido apenas 6 horas em Torres. Em seu “Itinerário de Jornada”, anexado à carta que escreveu para a Imperatriz Leopoldina ao chegar a Porto Alegre, dia 7 de dezembro, D. Pedro diz que atravessou o Mampituba às 7 horas, às 8 horas chegou a Torres, lavou-se, tomou café-da-manhã e depois, às 2 ¼  seguiu para a Estância do Pacheco (em área do atual município de Arroio do Sal). Também o fato dele ter levado 1 hora para atravessar o rio Mampituba, percorrer os 3 quilômetros e ½ entre a barra antiga e o Baluarte Ipiranga. Se tivesse se encontrado com os colonos alemães arranchados no “Potreiro” e doado os 4 mil réis a cada chefe de família, certamente teria levado mais tempo. Por outro lado, existem as hipóteses dele ter “voltado” do Baluarte ao “Potreiro” ou ter recebido os chefes de Família no Baluarte. A primeira delas é improvável. Não era o estilo do Imperador. Já a segunda seria possível, mas o tempo também conspira contra, pois a higiene pessoal do Imperador e o café-da-manhã teriam lhe consumido no mínimo 2 horas, entre às 8 da manhã (horário de chegada no Baluarte) até às 10 horas. Sobrariam 4 horas e meia até o início da cavalgada (às 14 horas e ¼ ) até Arroio do Sal. Portanto, essa segunda hipótese é viável.

VAZIO HISTÓRICO
Mas existe uma terceira hipótese desse encontro do Imperador com os colonos alemães. A do dia 25 de dezembro de 1826. Dessa data e da presença do Imperador em Torres existe o relato do Visconde de São Leopoldo, que logo em seguida iria ser nomeado Ministro Plenipotenciário do Império, e que integrava a Comitiva ao Sul do Brasil. O Visconde também se dirigia a Torres naquele dia tão logo foi informado da morte da Imperatriz Leopoldina (ocorrida em 11 de dezembro) e sob ordens do Imperador para com ele retornar ao Rio de Janeiro. D. Pedro retornara de Rio Grande onde estava desde o dia 17 de dezembro. O relato do Visconde de São Leopoldo é, até agora, praticamente o único documento que existe desde 23 de dezembro – dia em que D. Pedro assistiu a um Te Deum em Porto Alegre, na Catedral - até dia 25. Conforme o documento, D. Pedro chegou uma hora depois de São Leopoldo e conversou demorada e reservadamente num canto do prédio do Baluarte Ipiranga com o Marquês de Quixeramobim. O Marquês, fiel assessor de D. Pedro, havia saído do Rio de Janeiro dia 12 de dezembro, um dia após a morte da Imperatriz, com destino a N.S. do Desterro (Florianópolis) e com a missão de encontrar D. Pedro pelo caminho, entregar-lhe cartas e repassar-lhe informações sobre a situação na Corte e no Rio de Janeiro. Encontrou-o em Torres, no Prezídio. O que conversaram demorada e reservadamente?! Pode-se deduzir. Quixeramobim trazia em seu malote oficial diversas cartas, a saber: de Domitila, a Marquesa de Santos, queixando-se a D. Pedro de que havia sido impedida – “tenha paciência, senhora Marquesa, mas aqui a senhora não pode entrar”, disse-lhe o Visconde - de entrar nos aposentos de Leopoldina poucos antes de sua morte pelo Visconde de Paranaguá (ele e a maioria do Ministério foram demitidos certamente por isso). Domitila alegava ter sido ultrajada e humilhada. Pedia vingança, o que era do seu jeito. Afinal, era dama-camarista de Leopoldina e teria direito a entrar nos aposentos, embora sua presença fosse indesejável e repulsiva, pois todos sabiam do caso amoroso entre ela e D. Pedro. Quixeramobim trazia também as cartas de José Bonifácio e do bispo D. José Caetano Coutinho reclamando sua presença urgente no Rio de Janeiro. O bispo, que já conhecia o litoral catarinense e gaúcho pois por aqui havia passado entre 1815 e 1816 em viagem pastoral, questionava o que D. Pedro estava fazendo “nesses areais”. Também uma carta de Frei Arrabida estimulando-o a ficar mais tempo no Sul e dedicando-se à guerra e à vitória, “em nome de Deus”. Arrabida era um dos que conspirava contra Domitila. Mas, acima de tudo, Quixeramobim trazia informações sobre a situação no Rio de Janeiro. A cidade era uma revolta só com a morte da Imperatriz Leopoldina. Estudantes de Direito tinham se revoltado e saído em passeata; mercenários alemães ameaçavam motim e a população tentou invadir o palacete da Marquesa, além de apedrejá-lo. Só não invadiu porque a Polícia impediu. Domitila teve que fugir e esconder-se. Havia um cheiro de anarquia no ar e os Republicanos contrários a D. Pedro aproveitaram-se do ambiente e da ausência do Imperador para lançar uma campanha difamatória e retornar à cena política. Havia ainda as suspeitas de que a Marquesa e o médico dr. Navarro, Barão de Inhomerim, em conluio, tivessem envenenado a Imperatriz ou de que sua morte sido ocasionada por uma agressão de D. Pedro dia 24 de novembro, antes da solenidade do “beija-mão” da viagem do Imperador ao Sul. A possível agressão aparece citada na carta que Leopoldina escreveu à irmã Maria Louise poucos dias antes de morrer. A carta foi ditada à sua camareira Marquesa de Aguiar: “...muito e muito tinha a dizer-vos [à irmã], mas faltam-me forças para me lembrar de tão horroroso atentado que será sem dúvida a causa da minha morte.” Tudo isso foi relatado por Quixeramobim a D. Pedro. O fato, porém, é que nitidamente ele posterga o retorno ao Rio de Janeiro. O tempo de retorno é a prova disso. Para ir do Rio de Janeiro - Desterro - Torres na vinda, D. Pedro e Comitiva levaram exatos 10 dias de navio e a cavalo; para fazer o mesmo percurso de volta a viagem demorou 21 dias. Mais que o dobro! Portanto, nitidamente ele estava “ganhando tempo” para pensar melhor e deixar a situação no Rio de Janeiro se acalmar. Embora fosse impetuoso, arrojado, acostumado a decisões rápidas e surpreendentes – típicas do caráter de sua mãe, a espanhola Carlota Joaquina -, D. Pedro também sabia “pensar, deixar a situação acomodar-se”, num comportamento igual ao do pai, D. João VI. A viagem por mar de Desterro ao Rio de Janeiro também demorou mais na volta do que na vinda. E não havia condições climáticas desfavoráveis, tipo vento contrário e forte, mar agitado, tempestade. D. Pedro estava, portanto, “ganhando tempo” e isso começa a acontecer a partir do encontro de Quixeramobim com ele em Torres. Esse é um momento histórico praticamente não registrado, nem por historiadores renomados, brasileiros ou estrangeiros, nem pelos nossos micro-historiadores. Pela primeira vez levanto aqui essa situação histórica. Não existem ou foram descobertos até agora registros desse retorno de Torres a Desterro, salvo o relatado pelo Visconde de São Leopoldo (até Torres). Existe um vazio histórico desse momento. Pode ser que, então, durante esse período de “ganhar tempo” desde 25 de dezembro o Imperador tenha se encontrado com os colonos alemães. É mais provável, na minha opinião, que isso tenha ocorrido a partir daí – 25 de dezembro – do que no dia 5 de dezembro, nas 4 horas e ½ em que esteve em Torres de passagem. As pesquisas continuam...
 
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FONTES: Ruy Ruben Ruschel, coluna “Potreiro” no jornal Gazeta em 31 de outubro de 1997; Rodrigo Trespach, O Lavrador e o Sapateiro, Memória, Tradição Oral e Literatura”, EdiPUCRS/2013; Memórias do Tenente Coronel Francisco Paula Soares, Revista do Arquivo Público do RS, edição março de 1924; D. Pedro I, Carta à Imperatriz Leopoldina, Itinerário de Jornada, Museu Imperial de Petrópolis/RJ/2013; D. Leopoldina, Cartas de Uma Imperatriz, Editora Estação Liberdade/SP/2014; Pesquisas da historiadora Mary Del Priori em “A Carne e o Sangue”, Editora Rocco/2014; O Detetive do Passado e sua Viagem Além-Mar, Diderô Carlos Lopes/2015



A COLÔNIA SÃO PEDRO E O MUNICÍPIO DE DOM PEDRO DE ALCÂNTARA

     O município de Dom Pedro de Alcântara tem sua origem na então “Colônia São Pedro”, antigo 5º Distrito de Torres. A área emancipou-se em 29 de dezembro de 1995, através da Lei Estadual nº 10.647 aprovada pela Assembléia Legislativa.
    Mas a verdadeira história da localidade inicia bem antes, por volta do início de 1800 quando 1) a crise econômico-financeira; 2) as guerras; 3) a falta de espaço (terras) e até 4) a fome e a miséria assolavam países europeus, como a Irlanda, Alemanha e Itália; em contrapartida, 1) sobravam terras e 2) faltava mão-de-obra para ocupar o Brasil e fazê-lo desenvolver-se, além do 3) medo de invasão tanto por parte dos espanhóis, como dos próprios portugueses (a partir de 1822, após a Independência). Todos esses fatores vão contribuir para a formação de colônias agromilitares no Brasil (em especial no Sul), dentre a Colônia São Pedro, no “Cantão das Torres.”
     A data oficial da chegada dos 421 imigrantes alemães, entre católicos e protestantes, é 17 de novembro de 1826 no então “Cantão das Torres”. Mas muito antes disso a roda do destino já girava para que essa História acontecesse.
     As crises agrárias (falta de terras para cultivar e dividir entre os filhos das famílias), o crescimento acelerado da população, a eliminação dos últimos resquícios das estruturas feudais (estimulados pelas idéias revolucionárias francesas de 1789 e o ideário liberal bonapartista) e as desavenças políticas que resultavam em guerras convulsionavam a Europa. Já no final do século XVIII havia um intenso movimento migratório da Europa para o Novo Mundo.
    Por outro lado, as imensas e inexploradas “Colônias do Novo Mundo”, como o Brasil, precisavam de mão-de-obra para ocupá-las e desenvolvê-las. Especialmente no Brasil de 1808 quando a corte portuguesa para cá se mudou fugindo de Napoleão Bonaparte. Logo após a sua chegada, Dom João VI libertou a produção e o comércio das amarras impostas pelo sistema colonial e abriu os portos brasileiros às nações amigas.
     Foi a partir dessa época que iniciou-se um processo de imigração/colonização do Brasil. Dom João VI, Príncipe Regente de Brasil, Portugal e Algarves, passou a ocupar-se com o povoamento do território brasileiro, especialmente nas fronteiras e no Sul, onde havia os conflitos com os recém-emancipados países do Prata.
     Depois da Independência em 1822, o governo do Império tratou de reforçar a política de povoamento das fronteiras, criando colônias agromilitares de imigrantes alemães principalmente no Sul. Torres era fronteira de província e posição geográfica estratégica. Já havia uma fortificação por aqui (desde 1777), ampliada com o Baluarte Ipiranga.
     Para comprovar esse fluxo migratório, dados estatísticos alemães revelam que, a partir de 1824 e até 1914, 5,4 milhões de pessoas emigraram. 90 por cento deixaram a Alemanha para viver nos Estados Unidos e para o Brasil apenas 2 por cento – cerca de 93 mil pessoas, das quais os nossos bravos 421 colonos e soldados que chegaram ao “Cantão das Torres” e iriam constituir as Colônias – e depois municípios – de Dom Pedro de Alcântara e Três Forquilhas. “A quantidade de emigrantes alemães que se dirigiu para o Brasil é pequena, especialmente se comparada como a emigração para os Estados Unidos. Contudo, a importância desses imigrantes e de sua participação na formação e desenvolvimento do Sul do Brasil não pode ser ignorada”, registra o Historiador Jorge Luiz da Cunha em sua palestra “O Litoral Norte/RS e os Imigrantes alemães – A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul”.
E acrescenta Cunha: “...deixar a terra natal, abandonar o conhecido e buscar a sobrevivência em um lugar desconhecidos – com todos os riscos e implicações de uma decisão deste tipo – exige razões suficientemente fortes...que são principalmente econômicas: é a pobreza que produz a emigração...pelo menos em massa. São os pobres que emigram e fazem isso quando sua vida tradicional se torna difícil ou impossível. Juntam, então, seus últimos recursos, vendem seus trastes e partem em busca de um lugar onde supõem encontrar melhores condições de vida.”
A vida no campo na Alemanha tornara-se difícil. O processo de industrialização iniciava e as cidades “explodiam”. Em 1820, 80 por cento da população alemã ativa se dedicava às atividades agrícolas; 50 anos depois (1870) esse percentual caiu para 49 por cento; e em 1910 chegava a apenas 18 por cento. Em 1800, Berlim e Hamburgo – as duas maiores cidades – tinham mais de 100 mil habitantes; em 1870, Berlim tinha mais de 1 milhão! A Alemanha já contava com mais de 10 cidades com mais de 100 mil habitantes.
A indústria urbana, as fábricas, a revolução industrial provocavam a separação entre a cidade e o campo, e aceleravam a proletarização da população dedicada à agricultura. O camponês se viu obrigado a reduzir ao máximo o número de bocas para alimentar quando não havia trabalho agrícola, deixando para o “mercado de trabalho” a mão de obra de seus filhos.


PLANEJAMENTO EM TORRES

     Em Torres (e no Sul do Brasil), as autoridades já planejavam povoar a região com mão-de-obra estrangeira. Um dos objetivos era fortalecer as fronteiras (e Torres era uma estratégica fronteira de província) contra possíveis invasões espanholas e até portuguesas (devido à Independência de 1822), criando colônias agromilitares (veremos isso adiante com o recrutamento de colonos e soldados). Os índios (Carijós ou Cariós e Arachãs) haviam sido praticamente dizimados (entre 1.500 e 1.700) pela escravidão, pelas doenças transmitidas pelo branco (gripe, sarampo, sífilis, doenças venéreas, etc.) ou pelo aculturamento. Os índios não tinham anticorpos para elas. Não havia escravos negros; eram poucos. Para se ter uma idéia, em 1820 Torres tinha não mais de 40 casas por toda região (calcule-se de Arroio do Sal até o rio Mampituba), o equivalente a 150/170 pessoas (contando com os 31 prisioneiros guaranis que construíam a Igreja de São Domingos).
     Como ocupar todo esse território – uma área só em Torres de 30 quilômetros de extensão à beira-mar por mais 30/40 de profundidade, até o sopé da Serra? Nesse ponto existem divergências de opiniões. Conforme o historiador e Desembargador Ruy Ruben Ruschel em seus vários trabalhos (dentre eles “Torres Origens” – edições Gazeta esgotadas) o planejamento da ocupação por imigrantes alemães na região do Litoral tem início com a chegada do 1º Presidente efetivo da Província, José Feliciano Fernandes Pinheiro. A vontade imperial já existia antes, mas a efetividade da mesma para a região de Torres ocorre quando José Feliciano atravessou o rio Mampituba, em fevereiro de 1824, e manteve conversações com seu conterrâneo paulista Ten.Cel. Francisco de Paula Soares, Comandante do Presídio das Torres (e do Baluarte Ipiranga).
     Por motivos “práticos”, segundo Ruschel, os primeiros alemães foram assentados em outros pontos, como 1º em São Leopoldo (em 1824) para aproveitar instalações já existentes de uma empresa estatal falida, a Feitoria de Linho Cânhamo. Outros em São João das Missões (em 1825). Mas em carta já em 22 de abril de 1824 (cerca de mês e meio depois de conversar com Paula Soares), José Feliciano escrevia do Ministro dos Estrangeiros para que “quando viessem colonos em superabundância, desejaria ser autorizado para plantar uma pequena Colônia no sítio chamado Das Torres. É um ponto importantíssimo, a chave propriamente da Província da parte norte; há pouco, na minha passagem por ali, recomendei ao oficial {Paula Soares] que levantasse a planta de um espaço de terreno azado para tal fundação.”
    Portanto, estava manifesta clara e oficialmente a vontade de instalar uma Colônia Alemã na região. Trata-se praticamente da data de Certidão de Registro do nascimento das Colônias.
     Conforme Ruschel, Paula Soares procurou tal espaço. Chegou à conclusão que seria o melhor colocar os imigrantes em terras devolutas que estava a descobrir nas margens do rio Mampituba, ao longo da estrada de penetração que aí construía. Essa proposta foi motivo de carta de Paula Soares ao Governador em 1º de abril de 1825, garantindo nessa região existir “infinidade de terras devolutas e que melhor e mais vantajoso para este lugar, se estabelecesse uma colônia nas vizinhanças na nova estrada para Vacaria. Ali há terras para toda a sorte de lavouras, para cana, as de barro, para mandioca as de areia, para arroz e linho as terras baixas, para algodão e mantimentos as altas. Matos, os milhares, tudo isso com navegação por aqui.”
     Na mesma carta, Paula Soares explicava que na primeira etapa da estrada vinha sendo aberta até onde o Mampituba era navegável; ali seria erguido um Quartel-paliçada [em cartas posteriores explicou chamar-se Forte da Glória] e destinado a servir de centro da Colônia. O parecer de Paula Soares foi aceito integralmente por José Feliciano, conforme ofício que enviou ao Ministério dos Estrangeiros em 22 de maio de 1825, no qual pedia autorização para acomodar os alemães da última leva recém chegada “beirando a estrada nova que se trabalha por fazer praticável entre o Presídio das Torres e os habitantes de cima da Serra, para descerem por ali os animais e mais produtos que se exportarem para a Província de Santa Catarina...”


A CHEGADA

     Em 17 de novembro de 1826, provavelmente ao cair da tarde, depois de milhares de quilômetros por mar, rio, lagoas e terra desde suas aldeias, os 421 alemães chegaram ao lugar que lhes reservaria o futuro. Seu e de seus descendentes. Gente totalmente estranha ao lugar, de pele clara, cabelos loiros, olhos azuis; vestindo roupas também estranhas, em 26 carretas de boi. Haviam chegado em São Leopoldo, no Rio dos Sinos, em quatro barcos. Depois rumaram a Porto Alegre de onde partiram em final de outubro; desceram o rio Guaíba, entraram na Lagoa do Casamento e aportaram em Capivari em 3 de novembro. Estavam mais perto de seu destino final, local que jamais sairiam.
     Em Capivari fizeram o transbordo de suas cargas e trecos em 26 carretas que haviam sido requisitadas às Vilas de Santo Antônio da Patrulha e Conceição do Arroio [Osório]. Depois de um dia de descanso, em 5 de novembro, a caravana moveu-se lentamente seguindo pelos campos em direção ao rio Tramandaí. Como ferramentas, panelas e bagagens não coubessem todas, algumas famílias ficariam para trás. Mas quilômetros depois, em Quilombo, o ten.cel. Paula Soares, que comandava pessoalmente o comboio, deixou ali sua bagagem particular e colocou tralhas nas suas próprias carretas, conseguindo mais para acomodar a todos.
     Para guiar as carretas Soares conseguiu escravos, enquanto prisioneiros que havia conseguido em Porto Alegre (em transferência para o Presídio das Torres) iam tangendo o gado levado para abastecimento da caravana. No dia 7 de novembro chegaram a Tramandaí e a travessia do rio levou de 5 a 6 dias – mais do que o tempo previsto – pois o Intendente de Conceição do Arroio não havia providenciado as canoas para a passagem de margem à margem. Vencido o rio, a caravana continuou a mover-se lentamente, ao compasso da época, seguindo pelos campos mais ou menos à altura do que é hoje a Estrada do Mar.
    Em 17 de novembro a chegada a Torres. 237 alemães protestantes acompanhados e liderados pelo pastor Carlos Leopoldo Voges e 184 católicos. Nesse ponto há uma discordância: o ten.cel. Paula Soares, em correspondência de 16 de março de 1830 ao Presidente da Província, Caetano Maria Lopes Gama, relata que haviam entrado 422 colonos alemães; já a historiografia oficial, incluindo a obra “O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul”, de Aurélio Porto (edição Martins Livreiro 1996) relata 421 imigrantes.
     Pelo acordo feito entre os alemães e o Governo Imperial no recrutamento cada imigrante colono receberia: 1) uma gleba de terra de 160 mil braças, o equivalente a quase 77 hectares, “em uma das Províncias do Sul do Brasil”, para cada família com duas ou três crianças, ou um lote maior se a família fosse mais numerosa: 2) uma casa adequada ao lote agrícola; 3) os animais e ferramentas necessários [não há detalhes]; 4) alimentos em quantidades suficientes, por um período de 18 meses; 5) abrigo para as famílias em alojamentos enquanto as casas estivessem sendo construídas; 6) isenção de impostos, obrigações militares ou civis por um período de 8 anos.
    Aos artesãos ou mestres em algum ofício ficava garantido pelo tempo que quisessem: 1) trabalho pago segundo os valores correntes no Brasil, em obras do Governo geral ou Província; 2) uma casa de moradia pelo tempo correspondente. Os que quisessem tornar-se soldados receberiam: 1) uma capitulação [nomeação] inicial de 6 anos; 2) durante esse período, uniforme, alimentação e soldo; 3) depois da “baixa”, caso não assinasse nova capitulação, ficaria cada soldado livre para tornar-se agricultor ou dedicar-se a algum ofício, recebendo todas as vantagens citadas; 4) ficava assegurada a possibilidade de ascensão na carreira militar, com os mesmos direitos dos soldados brasileiros.
     Todo imigrante receberia a partir do momento do embarque para o Brasil a cidadania brasileira e depois de 10 anos de permanência no País, cada colono ou soldado ficaria livre para retornar à Alemanha, desde que às suas próprias custas. É importante também destacar que a arregimentação dos imigrantes alemães deveria abranger dois grupos: 1) soldados, que deveriam ser transportados para o Brasil disfarçados de colono (com a obrigação de 6 anos de serviço); 2) colonos, para os quais se distribuiriam as terras e os itens acima mencionados, mas com a condição de que, em caso de guerra deveriam servir como soldados.
    A título de exemplo dessa estratégia de arregimentação de imigrante é interessante citar a missão do Major Von Schäffer que, pouco antes da Independência do Brasil, em 10 de agosto de 1822, embarcava para a Europa (chegou 3 meses depois) com instruções de angariar mercenários para a iminente e esperada “guerra contra Portugal” [devido à Independência], bem como obter a adesão dos governos da Santa Aliança para a causa brasileira (a Independência). Ou seja, uma de suas missões era realizar trabalhos para o estabelecimento de “colônias agro-militares” no território do Brasil, seguindo o modelo das implantadas com os cossacos nos montes Urais.
     Von Schäffer desenvolveu atividades entre 1824 e 1828, sendo a segunda parte da missão (buscar soldados e colonos) entre 1824-1826 em Hamburgo e 1828-1828 em Bremen. Conseguiu embarcar cerca de 4.500 imigrantes, entre soldados e colonos, em 21 expedições.
    Todas essas vantagens prometidas [e nem todas cumpridas posteriormente] contribuíram para despertar o desejo de emigrar em um grande número de miseráveis servos agrícolas, camponeses sem terra ou artesãos arruinados do Norte e Sudoeste da Alemanha [vide motivos no início do Capítulo). Os colonos e muitos dos soldados foram destinados a colônias de caráter agromilitar estrategicamente localizadas nas regiões isoladas do Rio Grande do Sul (no “Cantão das Torres” ou “Colônia das Torres) e Santa Catarina. Nos primeiros transportes de Von Schäffer foram embarcados vários apenados das casas de detenção e trabalho de Hamburgo (39 apenados, em maio de 1824) e Mecklenburgo-Schwerin (345 reclusos).
     O modo como se processou, na Europa, o recrutamento de colonos e soldados, e a sorte dos batalhões de estrangeiros, resultaram em descrédito da imigração para o Brasil, entre os opositores de Dom Pedro I e a maioria dos governantes europeus, especialmente na Alemanha. A Lei do Orçamento do Governo do Império de 1830, projetada para os anos financeiros de 1831 – 1832, aboliu em todas as províncias do Império a despesa com a colonização, terminando, assim, a primeira fase da imigração/colonização no Brasil. Interrompeu-se assim até 1851 a contratação de mercenários para o Império, até a chegada ao País da Legião Alemã com 1.770 soldados, naquele ano.


INTERESSES E DESCONFIANÇAS

     Na opinião de Ruschel, o Presidente José Feliciano e o comandante Paula Soares estavam imbuídos de boa fé “e o cuidado de ambos acertar”, já que a idéia básica era colocar os agricultores (e alguns soldados) alemães em terras férteis e produtivas e, ao mesmo tempo, torná-los intermediários entre os pecuaristas do planalto vacariano e o litoral catarinense. Ali, segundo Ruschel, os colonos não ficariam isolados, poderiam se comunicar facilmente com a sede do Presídio através da navegação fluvial e da estrada e da estrada de penetração.
     O micro-historiador e pesquisador José Krás Selau, filho de Dom Pedro de Alcântara, em seus livros “A Colônia São Pedro”, “Imigração Alemã em Torres Por Quê” (edições Gazeta esgotadas) desconfia das reais intenções de José Feliciano e, principalmente de Paula Soares [e do alferes Manoel Ferreira Porto, fundador de Torres e auxiliar do tenente coronel]. Para Selau, o objetivo de Paula Soares era colocar os colonos em suas terras, ou próximas a elas, para valorizá-las e melhor explorá-las.
     Como já referimos antes, não havia mão-de-obra na região (nem índios, nem escravos negros e a mão-de-obra dos alemães era boa). Assim, Paula Soares teria tentado se aproveitar da presença dos alemães, embora essa atitude não esteja relatada na documentação oficial (nem se poderia esperar que estivesse). Vejamos o que relata Selau: “discute-se, ainda hoje, o real motivo do assentamento dos imigrantes alemães aqui em Torres, onde parece ter havido mais interesse de terceiros do que a Colonização propriamente dita. Através de referências e documentos, notam-se fortes indícios de que muitos imigrantes foram separados, não se sabe por qual promessa, de seus núcleos originais e enviados a Torres contra sua vontade. O próprio comportamento posterior dos imigrantes prova isso, pois houve uma tentativa de êxodo, com pedidos veementes de transferências para outras bandas, como Três Forquilhas, Tramandaí. Pedidos não atendidos.”
Continua Selau: Já bem antes do pedido ao governo da Província para colonizar Torres com imigrantes alemães, trataram [Paula Soares e Manoel Ferreira Porto] de construir uma estrada que ligasse o presídio das Torres à serra do Malha Côco, passando pelo Vale do Mampituba, onde Ferreira Porto possuía vasta área de terra. Coincidentemente ali foram assentados os imigrantes alemães em 1826; fácil imaginar que alguém queria aproveitar a tão falada, conhecida mão laboriosa dos alemães, cuja produção agrícola por ser seria farta e poderia ser facilmente escoada pela estrada feita serra acima até os centros consumidores, bem como para as estâncias que já existiam em cima da Serra. Mas seria isso puro patriotismo, querendo o desenvolvimento de uma região por um dos seus mentores? Realmente é um quebra-cabeça que fica a critério de cada um e que pode ser interpretado de várias maneiras.”
     Paula Soares, por sua vez, possuía uma propriedade que se situava entre as Lagoas do Jacaré e do Morro do Forno, com engenho de cana-de-açúcar. Portanto, necessitava da matéria-prima (cana-de-açúcar) para seu engenho. Ruschel continua dando testemunhos do bom relacionamento do comandante com os alemães e provas de sua boa-vontade, o que era comprovado na correspondência oficial datadas de 3 de janeiro e 10 de junho de 1825 ao presidente da Província, relacionando ações de patriotismo, obediência e amor à Pátria. “Amor à Pátria e ser fiel a seu Comandante”, citada Paula Soares numa dessas correspondências.
     Mas Ruschel também não deixa de externar sua desconfiança ao relatar que, “como Inspetor [da Colônia] molestou-se soberbamente com os imigrantes alemães, mas nem por isso deixou de ser apreciado e admirado pela maioria deles, que o tratam carinhosamente de Franz Paul”.
    Ruschel relata a passagem por Torres do suíço Carl Seidler, a quem Paula Soares teria externado sua decepção “quanto à honestidade dos alemães.” Tal opinião, “enquanto fazia caracolar pela venta afora a fumaça de seu cigarro de papel” (relato do livro de Carl Seidler), criou no escritor, que era de origem alemã, “certa má vontade contra o comandante”, reconhece Ruschel com franqueza.
    Interpretações e desconfianças à parte, o fato é que o destino e a Natureza acabaram intervindo na situação. Conforme Selau e Ruschel o assentamento estava se dando a contento e até atendendo os interesses de ambas as partes [colonos alemães e as autoridades locais]. “Tudo parecia andar às mil maravilhas...mas eis que a Natureza resolveu se fazer presente já nos primeiros tempos e liquidar com tudo, seja o que estava certo, quanto o que estava errado”, escreve Selau. Chuva impiedosa castigou o vale do Mampituba [no final de 1826], inundando a região. Os colonos, apavorados, “juntam suas tralhas, salvam o que podem e se embrenharam nas matas rumo aos morros próximos, a Leste da Lagoa do Morro do Forno, onde se estabeleceram”, relata Selau. Trata-se de onde é a região do Jacaré, em Torres, e que “por uma terrível coincidência eram de propriedade do coronel Paula Soares [onde ele possuía um engenho de cana de açúcar]”, acrescenta Selau.
    Assim, por ironia do destino, se é que havia um interesse de Paula Soares em aproveitar a mão-de-obra dos alemães em suas terras, estava feito. A área compreende terras úteis e férteis existentes no Jacaré, numa extensão de 400 hectares.
     Passada a chuva e a enchente, os colonos negaram-se em retornar à sede do Vale do Mampituba, criando assim um impasse para Paula Soares. As demarcações de lotes para cada família ainda não haviam sido feitas e isso (mais a enchente e a tomada de posse das terras de Paula Soares) complicaram a situação. Os colonos começaram a ficar impacientes e alguns até ameaçavam voltar à São Leopoldo.
     Só em 1827 (entre fevereiro e março) é que começaram a se efetuar as demarcações, com o agrimensor oficial João José Ferreira, de Santo Antônio da Patrulha, e o também agrimensor alemão Frederico Carlos Voges (requisitado em São Leopoldo), “ajudante de corda.” 40 colonos que se revezavam a cada domingo e mais os sentenciados do Presídio das Torres faziam o duro trabalho de abrir picadas no mato e fazer as demarcações. Como é natural, surgiam reclamações quanto às terras, a distância da sede, os acessos. Banhados demais para alguns, terra baixa e sujeita a enchente para outras famílias.
     Esse clima de insatisfação gerou impasse. O próprio Paula Soares confessou que não esperava tantas pessoas. No máximo 200; veio o dobro. Sem saber (ou querer decidir), ele mandou o problema para solução em Porto Alegre, ao governo da Província. Mas sugeriu a divisão dos colonos em dois grupos e da Capital veio a solução: no Mampituba permaneceriam os católicos pela proximidade com a Capela em Torres; no Três Forquilhas ficariam os protestantes pois estavam acompanhados de um pastor – Carlos Leopoldo Voges – e de um médico – Jorge Elias Zinkgraff. Seriam acomodados nas margens férteis, mas distantes de Torres, do rio Três Forquilhas.
    Em 27 de maio de 1827, o agrimensor João José Ferreira e seu ajudante Voges demarcaram as terras às margens do Três Forquilhas. Em junho as famílias protestantes começaram a deslocar-se para lá em enormes carretas que arrendaram por 4 mil réis cada (três famílias por carreta). “Seguiram pela estrada do Campo (hoje Estrada do Mar) até a Sanga dos Cornélios e dali, através de Terra de Areia, até seu destino”, relata Ruschel. Enquanto isso, Paula Soares ia a Porto Alegre buscar instruções sobre o assentamento. Voltou e sorteou os lotes e em agosto de 1827 estavam os protestantes assentados na nova Colônia de Três Forquilhas, a primeira a se estabelecer. E parece estarem satisfeitos, pois já em dezembro de 1827 enviaram uma carta ao Governo Imperial agradecendo. Diziam os colonos protestantes (em francês): “há alguns meses que somos proprietários desta bela zona e plantamos o que queremos – frutas e hortaliças, tanto as do Brasil, quanto as da Europa”.

INSATISFAÇÕES E PRISÕES

      Pelo lado dos católicos a insatisfação continuava. Eles não queriam aceitar as terras baixas e úmidas. Em julho de 1827 (8 meses depois da chegada) um grupo foi conferir novas terras no Vale do Mampituba e voltou desanimado. Outro grupo de descontentes chegou a sugerir ser levado à colônia de Três Forquilhas (com terras melhores) e outro (cerca de 28 famílias) pleiteou ao presidente da Província “terras nos campos de Tramandaí ou em outros lugares”.
     As pretensões foram rejeitadas e novas áreas foram procuradas, dessa vez mais enxutas e um pouco mais ao Sul do Mampituba, entre as lagoas do Jacaré e do Morro do Forno, onde justamente Soares possuía seu engenho de cana-de-açúcar [vide suposições de Selau sobre o assunto]. O agrimensor alemão Voges foi ali para pesquisá-las e, em 2 de novembro de 1827 [quase 1 ano depois da chegada dos imigrantes alemães], apresentou seu relatório de que ali havia terras boas e altas, suficientes até para 400 casais, não contando as pantanosas da beira do rio.
     Havia, porém, um problema com relação a essas áreas: a inexistência de estrada de acesso. Conforme Ruschel, Soares pôs os católicos “na parede: ou aceitavam a nova proposta, ou iriam comprimir-se no Vale do Três Forquilhas, onde os melhores lotes já estavam nas mãos dos protestantes”. Uma comissão de quatro colonos católicos examinou as terras alternativas entre as lagoas e gostou. Então o agrimensor Voges começou a demarcar os terrenos. Em fevereiro de 1828 sortearam-se os primeiros lotes, enquanto se completava a demarcação de outros e era aberta uma estrada de acesso para as carretas, obra feita pelos sentenciados do Presídio das Torres. Umas 15 famílias ocuparam logo seus terrenos, construíram casas e plantaram feijão. Mas ainda havia descontentamento.
     Cerca de 20 outras famílias desistiram das terras e ameaçaram até fisicamente os que aceitaram, querendo agredi-los e queimar suas casas. Os rebeles alegavam que seriam sujeitos aos ataques dos bugres escondidos nos matos do Morro do Forno [fato que nunca ocorreu]. Eram liderados pelo francês Louis Marie Boudier, que tinha vindo avulso com os alemães, e um outro chamado Magnus.
     Selau também levanta dúvidas sobre Boudier e suas “reais intenções”. Tratava-se, segundo ele, de um aventureiro de origem duvidosa que havia se infiltrado entre os colonos alemães. E, para complicar ainda mais, Boudier fazia parte [segundo Selau] “do serviço de segurança do Inspetor Soares. Era uma espécie de polícia”. Conforme Selau, qual seria o plano? Insuflar a parte dos colonos revoltosos a se transferir para os campos de Tramandaí, deixando os que já estavam assentados (nas terras de Paula Soares, no Jacaré) trabalhando e produzindo. “É claro que estamos apenas fazendo conjecturas, mas com certeza, no futuro, a história da imigração alemã em Torres já terá elementos para um estudo mais aprofundado do assunto”, reconhece com simplicidade e humildade Selau, mal avaliando, porém, que sua própria dúvida manifesta já é o início desse estudo, abrindo brechas para novas pesquisas. A História não é estática; é dinâmica, e quanto mais se pesquisa, mais dados, dúvidas, informações, situações e reflexões aparecem.
     Ruschel nada aborda sobre isso. Diz que Soares, “convencido de que a verdadeira causa da revolta de alguns era a intenção de contemporizar para continuarem recebendo o subsídio em dinheiro que vinha da Coroa enquanto não assentados, banco energia. Prendeu o sedicioso Boudier e o remeteu para Porto Alegre com a recomendação de alistá-lo nas forças armadas.” Isso em 9 de março de 1828, tendo ido junto o agrimensor Voges. Selau afirma: “os colonos sublevados foram em comissão até a capital da Província para levar pessoalmente suas reivindicações ao governo. Chegados à capital, as coisas se precipitaram. Houve inclusive a prisão de alguns colonos que posteriormente foram soltos.”
     Ruschel confirma que os colonos foram à capital e até promoveram “balbúrdias”. Dois colonos foram presos: Matias Deutsch e Antonio de Tal (possivelmente Kreuzburg), recolhidos à “Presiganga – navio-prisão. Ao mesmo tempo o Conselho Geral (atual Assembléia Legislativa) sustou, em maio de 1828, o pagamento do subsídio aos colonos, o que passou a valer a partir de junho. Pressionados por todos esses fatos – prisões, corte de subsídios, quase 2 anos sem terem resolvido a questão das terras, insatisfações e sem produzir – em julho de 1828 os últimos colonos católicos ocuparam seus lotes. Embora os mais contrariados tenham fugido de volta para São Leopoldo.
     Paula Soares, por sua vez, já cansado – pela idade e por toda situação – também aceitou a situação, talvez, conforme Selau, “entre perder suas terras e o conceito que tinha junto aos seus superiores, não querendo cair em desgraça, optou por perder suas terras...e entregou os lotes.” Embora Selau também levante outras dúvidas: “não podemos também descartar a possibilidade de Paula Soares ter posteriormente barganhado com o governo as suas terras.”
     O fato é que estava concluído, em julho de 1828, o assentamento total dos colonos alemães católicos no “Cantão das Torres.” Iria iniciar uma nova etapa na Colônia, com as dificuldades de ordem econômica (transporte, escoamento das produções, os tipos de produtos a produzir, preços dos produtos), de aculturamento, educação, desenvolvimento, mais guerras (até na Guerra dos Farrapos os colonos alemães se envolveram) e perseguições (motivadas na II Guerra Mundial).


OS NOMES DA COLÔNIA E DO MUNICÍPIO

     Inicialmente o nome “Colônia São Pedro” (ou Cantão das Torres, ou Colônia das Torres) aplicava-se à Colônia Alemã em Torres como um todo, envolvendo protestantes e católicos. Há divergências sobre a origem. No livro “Dom Pedro de Alcântara – Marcas do Tempo” (edição EST de 2010- organização de Nilza Huyer Ely), a professora Helga Landgraff Picollo, doutora em História pela USP, na palestra “Cruzando Informações – A Colônia de São Pedro na Historiografia”, confirma que nos primórdios a Colônia de São Pedro era também conhecida como “das Torres”. A citação [Colônia São Pedro e das Torres], prossegue Picollo, está em correspondências oficiais, relatórios , tabelas estatísticas, econômicas, etc.
     Para Selau, o nome São Pedro deve-se ao Imperador Dom Pedro I que passou por Torres em 6 de dezembro de 1826, portanto 19 dias após a chegada dos colonos na região. O Imperador foi saudado por uma sala de 101 tiros de canhão do Baluarte Ipiranga, recepcionado pelos vereadores da Câmara de Santo Antônio da Patrulha [sede do município] e certamente pelo ten.cel Paula Soares, pelo Alferes Ferreira Porto [maiores autoridades de Torres à época]. Não há registros ou ao menos nada se localizou até agora se Dom Pedro teria visitado o Baluarte Ipiranga ou o assentamento.
     Provavelmente não. Estava com pressa, era um homem nervoso e agitado, e viajava desde Desterro até Rio Grande a cavalo (são cerca de 600 quilômetros). Tinha pressa e era impaciente. O fato, porém, é que os colonos fizeram um pedido ao Imperador, [talvez através de Paula Soares – não há maior pesquisa sobre isso] homenageado com o apelido de “Kaiser Peter”, de uma gleba de terra em conjunto onde seria erguida a sede comunitária dos imigrantes. O Imperador teria doado a terra (25 hectares).
     Assim, na opinião de Selau, o nome tem origem numa homenagem dos colonos a Dom Pedro I, passando a colônia a denominar-se “Colônia Dom Pedro de Alcântara ou São Pedro de Alcântara”. Até porque questiona se os colonos alemães conheceriam e seriam devotos de um santo espanhol. “...eram pessoas simples, talvez quase analfabetos...Será que eles tinham conhecimento de um tão afamado São Pedro de Alcântara, do distante país?”. Ele reconhece, porém, que pode ser também homenagem a São Pedro, padroeiro da Província do Rio Grande do Sul, “e uma vez que a crença religiosa dos imigrantes era muito grande. No nome dos nossos Imperadores também figurava o nome de São Pedro de Alcântara.”
     Ruschel, porém, não tem dúvida: “O nome Colônia São Pedro tem origem no santo espanhol (1499 – 1562, fundador dos franciscanos descalços)”, embora também reconheça que possa ter sido uma homenagem dos imigrantes ao Imperador.
     O pesquisador portoalegrense Emiliano J.K. Limberger concorda com as hipóteses de Ruschel e Selau em relação ao nome da Colônia ao afirmar que “a designação toponímica de São Pedro de Alcântara ostenta, naturalmente,...a noção de inovação protetora. Era costumeiro nos idos de nossa história luso-brasileira homenagear-se algum soberano ou potentado, substituindo seu nome pessoal com o do respectivo onomástico, ou seja, o correspondente padroeiro homônimo. Daí ter-se em 1828 [a data é Limberger] optado naturalmente para a denominação religiosa, homenageando simultaneamente com o topônimo hagiológico a pessoa do Imperador: São Pedro de Alcântara, lembrando o padroeiro pessoal dele e simultaneamente seu xará celeste.”
     Portanto, salvo novas pesquisas ou estudos, a origem do nome “Colônia São Pedro” está alicerçada tanto nas homenagens ao Santo, como ao Imperador Pedro I.
Mas, se em relação ao nome da colônia há dúvidas, quanto à denominação do município não existe nenhuma. Dom Pedro de Alcântara é uma homenagem Pedro I, Imperador do Brasil.


O MUNICÍPIO, 170 ANOS DEPOIS

     Nas décadas de 1980/90, o Rio Grande do Sul vivia um período de muitas emancipações. Uma verdadeira febre de áreas se emancipando, aproveitando a legislação que remetia os casos à esfera estadual (atualmente, de acordo com a Legislação, as emancipações acham-se no âmbito federal). O Litoral acompanhou o momento e várias áreas de emanciparam, como Capão da Canoa (de Osório), Três Cachoeiras e Arroio do Sal (de Torres, em 1988), Morrinhos do Sul e Três Forquilhas (de Torres, em 1992).
     A Colônia São Pedro, 5º Distrito de Torres, aproveitou também o período emancipacionista, e seguindo o exemplo de sua coirmã Três Forquilhas (que se emancipou em 1992), começou a trabalhar pela separação de Torres. Quase 170 anos depois que os imigrantes alemães aqui chegaram, seus descendentes, agora irmanados com outras etnias e moradores, arregaçaram as mãos pela emancipação.
     Como determinava a Legislação, foi constituída uma “Comissão Emancipacionista” responsável pela tramitação burocrática do processo. A Comissão tinha na presidência Guilherme Cléo Biasi (que posteriormente seria eleito o 1º prefeito do município de Dom Pedro de Alcântara); Vice-presidente: Jovino Alzemiro Vieira (também seria eleito prefeito); Secretário: José Krás Selau; 2º Secretário: José Amador Justo; Tesoureiro: Olavo Oliveira Paulo; 2º Tesoureiro: padre Roberto Pezzi. Conselho Fiscal: Adilson Maia Dimer (eleito vice-prefeito no 1º pleito e prefeito do município com o falecimento de Guilherme Cléo Biasi); Marton Luiz da Rocha Bernst, Pedro Delai Maia Leffa. Os Suplentes eram: Ireno José Fernandes, Sebastião Rodrigues de Oliveira, Orlando Model Justo, José Ailson Evaldt Hendler, Paulo Justo Borges e João Antônio Behenck.
     Em 22 de Outubro de 1995, de acordo com a Legislação, houve um plebiscito onde a comunidade decidiu se queria ou não a emancipação. O resultado foi favorável e, a partir daí, reunida toda documentação necessária para ser enviada à Comissão de Assuntos Municipalistas da Assembléia Legislativa que tratava das emancipações. Em 29 de Dezembro de 1995 o processo emancipacionista foi aprovado pela Assembléia Legislativa, sendo a Lei homologada pelo Governo do Estado.
    Estava oficialmente constituído o município de Dom Pedro de Alcântara, quase 170 anos depois da chegada os imigrantes alemães.


ADMINISTRAÇÕES

     A primeira administração do município, entre 1º de janeiro de 1997 a 1999 coube a Guilherme Cléo Biasi; ele afastou-se nesse ano por motivo de doença, vindo a falecer. Assumiu em seu lugar o vice-prefeito Adilson Maia Dimer até completar o mandato em 31 de dezembro de 2000.
     A Câmara Municipal era constituída pelos seguintes vereadores: Abraão Hahn Leffa; Celírio Justo Schwanck; Celso Pedro Magnus; Eusébio Hahn Rodrigues; Mário João Bock; Orlando Model Evaldt; Telmo Pedro Dimer; Valdemar Borges Evaldt e Vanderlei Krás Lumertz.
    A segunda administração, de 2001 a 2004, teve como prefeito Jovino Alzemiro Vieira. A terceira administração, de 2005 a 2008, o prefeito eleito Márcio Dimer Biasi. A quarta administração, de 2009 a 2012, Telmo Pedro Dimer. E a quinta administração, atualmente em curso, Márcio Dimer Biasi.

 

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Texto elaborado pelo Jornalista Diplomado e Pesquisador Nelson Adams Filho com base nas seguintes Fontes: Professor, Desembargador Ruy Ruben Ruschel – “Torres Origens” (edições Gazeta 1995, 2001, 2003 e 2005 esgotadas); Micro-historiador José Krás Selau – “A Colônia São Pedro – A Sua História”, 1995 e 2005 e “Imigração Alemã em Torres – Por Quê?” – edição Gazeta 1999; Jorge Luiz da Cunha – “O Litoral Norte/RS e os Imigrantes Alemães – A Colonização Alemã no RS”, no evento Dom Pedro de Alcântara – Marcas do Tempo/2007; Professora Helga Landgraff Piccolo – “Cruzando Informações – A Colônia de São Pedro na Historiografia” - evento Dom Pedro de Alcântara – Marcas do Tempo/2007; Aurélio Porto – “O Trabalho Alemão no Rio Grande do Sul” (Martins Livreiro, 1996); Professor Adilson Maia Dimer – evento Dom Pedro de Alcântara – Marcas do Tempo/2007; Historiadora Nilza Huyer Ely – “A Colonização Alemã da Ponta das Torres” – evento Dom Pedro de Alcântara – Marcas do Tempo/2007 – Diversas Colunas do jornal Gazeta sobre Colônia São Pedro e Dom Pedro de Alcântara – 1992 - 2004

 
A CAPELINHA E A GRUTA DE NOSSA SENHORA DE LOURDES

    Dois locais históricos e turísticos do município de Dom Pedro de Alcântara são a Capelinha erguida por José Webber, em pagamento de promessa, e a Gruta em louvor a Nossa Senhora de Lourdes, incrustada junto ao morro. Feitas pelo homem, a capela tem entre 150 a 160 anos, e a Gruta com as imagens 64 anos, embora o local esculpido pela Natureza exista há milhões de anos.
     A capela foi erguida pelo imigrante José Webber em pagamento a uma promessa. Oleiro de profissão, Webber morava na Alemanha em plena era napoleônica, período em que quase toda Europa vivia em conflitos. A Alemanha estava mergulhada também em guerras.
     Certo dia José Webber viu-se perseguido pela polícia, indo refugiar-se num grande armazém de cargas e descargas. “Deve ter aprontado alguma, para ser perseguido”, comenta José Krás Selau (SELAU, 1995 e 2005) em seu livro “Colônia São Pedro, Um Pouco de Sua História”.
     Conforme o relato de Selau, dentro do armazém, Webber enfiou-se debaixo de uma grande pilha de couros secos de boi, com intuito de esconder-se da polícia, que vasculhou todo o local e nada encontrou. Os policiais concluíram, então, que José Webber só poderia estar debaixo dos couros. Apavorado e vendo-se perdido, ele fez uma promessa: se se salvasse daquela, imigraria com a família para outras terras e, onde se radicasse, ergueria uma capela com uma imagem que seria feita por ele.
     A promessa surtiu efeito, pois o chefe da Polícia mandou suspender as buscas justamente quanto os policiais iam verificar debaixo da pilha de couros. José Webber cumpriu a promessa e imigrou para o Brasil com a família, vindo a estabelecer-se no então “Cantão das Torres”, na imigração de 1826. Em terras da então Colônia São Pedro, na “Baixada”, construiu sua olaria e, em seguida, ergueu uma pequena capela com um crucifixo, cuja imagem de barro foi feita com suas próprias mãos. O mesmo crucifixo lá se encontra até hoje, passados entre 150/160 anos (não se tem a data ao menos próxima da construção).
     No fim do século XIX, José Arásio Webber, neto de José Arásio, restaurou a pequena capela e a ampliou. Em 1930, José Arásio novamente restaurou e aumentou-a para as dimensões que permanecem até hoje. Desde sua construção, a capela foi ponto das devoções dos colonos. Mas foi na virada do século, conta o micro-historiador José Selau, que essas devoções e romarias ao local se intensificaram, principalmente em três datas distintas: 20 de janeiro, Dia de São Sebastião; 6 de agosto, Dia do Bom Jesus; 13 de dezembro, Dia de Santa Luzia.
     A mais cultuada dessas datas pelos colonos era a de São Sebastião, observada até hoje e, por esse motivo, explica Selau, a capelinha é conhecida popularmente e erroneamente como de São Sebastião. Foi José Arásio Webber quem introduziu na capelinha a imagem do Santo que é conhecido como protetor dos animais. Foi também José Arásio Webber, com objetivo de angariar recursos para conservação da capelinha, quem criou e intensificou o chamado “bazar”, ou seja, leilões, “às vezes um tanto pitorescos”, acrescenta Selau, dos objetos ofertados como promessas feitas ao Santo.
     Selau cita os exemplos: “um cidadão da Colônia que gostava muito de caçar. Certo dia viu seu cachorro ser estraçalhado por um ´coati-mundéo´. Fez promessa a São Sebastião que se o animal não morresse compraria seu peso em farinha e mandaria fazer massa de pão para o leilão”. O cachorro sarou e nove quilos de farinha transformaram-se em pães, todos em formato de cachorro, e levados à capelinha para leilão na primeira festa que aconteceu.
     Aliás, acrescenta Selau, “as promessa eram sempre assim: para uma perna destroncada [e curada] o pão tinha o formato de uma perna; para um boi doente [e salvo], o pão tinha o formato de um boi; e assim por diante.”
     Em 1927, com a criação da paróquia de Nossa Senhora do Amparo e a chegada dos padres alemães à Colônia, esse tipo de crendice e ofertório popular começou a arrefecer. Os padres, conforme Selau, “um tanto austeros, não viam com bons olhos aquelas devoções. Jamais prestigiaram as mesmas, chegando a dizer que era idolatria. A igreja matriz deveria ser mais considerada”, na opinião dos padres.
     E tanto doutrinaram que aos poucos a população deixou de freqüentar a capelinha. Mas o movimento não se restringiu apenas a esse local. Conforme Selau, “os padres não desistiram e, aos poucos, também nas casas esses cultos deixaram de ser praticados”. Ou seja, conforme o relato de Selau, deduz-se que além da capelinha, também nas casas dos colonos esse tipo de crendice e ofertório era praticado, o que não era bem visto pela Igreja, já que, de uma certa forma, desviava a atenção e a freqüência dos colonos à Igreja.
     Cerca de 12 a 15 anos depois, em 1942, com a saída dos padres alemães e a chegada dos sacerdotes italianos de Caxias do Sul, a capelinha ressurgiu. Conta Selau: “esses padres, menos austeros, passaram a prestigiar a capelinha, depois de conhecerem sua história. Porém frisaram: ´em primeiro lugar apoio total à [igreja] Matriz.” Quanto aos cultos, os padres passaram a rezar missas periodicamente na Capela e a Festa de São Sebastião também feita por eles. “Com isso os colonos ficaram muito contentes”, resume Selau.
     Atualmente a Capela é um dos pontos de atração turística e de visitação em Dom Pedro de Alcântara, especialmente em época de Romaria à Gruta de N.S. de Lourdes, pois está em terras da Paróquia. Tem sido mantido sempre conservada, limpa e em boas condições.
 

GRUTA NOSSA SENHORA DE LOURDES

     A Gruta tem sua origem no ano de 1947, com o projeto de José Arásio Webber de construir um santuário em suas terras. Um plano para tanto foi elaborado, sendo revisado e aprovado pela Paróquia que passou a coordenar as obras. Praticamente toda a comunidade da então Colônia São Pedro dedicou-se ao trabalho que começava por uma dificuldade de engenharia: como chegar à gruta no alto do morro?
     Os construtores à época decidiram colocar duas ripas de madeira junto ao paredão do morro e foram pregando degrau por degrau até chegar ao topo. O morro onde se localiza a gruta é da mesma formação vulcânica que deu origem às torres à beira-mar, com idade de formação entre 130 há 160 milhões de anos. A “construção” da gruta – aproveitando a cavidade natural da rocha – foi iniciada em 1948 e finalizada em 1950, ano de sua inauguração.
     Nas escadarias de acesso à gruta estão fixados os nomes das famílias e pessoas que colaboraram com a construção. As imagens de Nossa Senhora de Lourdes e de Bernadette Soubirous, a camponesa de 14 anos que avistou as aparições da Santa na França em 11 de fevereiro de 1858, foram trazidas até a gruta divididas em três partes.
     Aqui um parênteses para explicar a origem e a história das aparições. O relato sobre as aparições de Nossa Senhora de Lourdes começaram no dia 11 de fevereiro de 1858 na cidade de Lourdes, França. Ela apareceu para a jovem camponesa Bernadete Soubirous, de 14 anos, que foi questionada por sua mãe, pois afirmava ter visto uma "dama" na gruta de Massabielle, cerca de uma milha da cidade, enquanto ela estava recolhendo lenha com a irmã e uma amiga. A "dama" também apareceu em outras ocasiões para Bernadette até os dezessete anos.
     Bernadette Soubirous foi canonizada como santa, por suas visões da Virgem Maria. A primeira aparição da "Senhora", relatada por Bernadette, foi em 11 de fevereiro. O Papa Pio IX autorizou o bispo local para permitir a veneração da Virgem Maria em Lourdes, em 1862.
    Em 11 de Fevereiro de 1858, Bernadette Soubirous foi com a irmã Toinette e Jeanne Abadie para recolher um pouco de lenha, a fim de vendê-la e poder comprar pão. Quando ela tirou os sapatos e as meias para atravessar a água, junto à gruta de Massabielle, ouviu o som de duas rajadas de vento, mas as árvores e arbustos não se mexeram. Bernadette viu uma luz na gruta e uma menina, tão pequena como ela, vestida de branco, com uma faixa-azul presa em sua cintura com um rosário em suas mãos em oração e rosas de ouro amarelo, uma em cada pé. Bernadette tentou manter isso em segredo, mas Toinette disse à mãe. Por essa razão ela e sua irmã receberam castigo corporal pela sua história. Três dias depois, Bernadete voltou à gruta com as outras duas meninas. Ela trouxe água benta para utilizar na aparição, a fim testá-la e saber se não "era maligna". Porém, a visão apenas inclinou a cabeça com gratidão, quando a água foi dada a ela.4
     Em 18 de fevereiro, ela foi informada pela senhora para retornar à gruta, durante um período de duas semanas. A senhora teria dito: "Eu prometo fazer você feliz não neste mundo, mas no próximo". Após a notícia se espalhar, as autoridades policiais e municipais começaram a ter interesse. Bernadette foi proibida pelos pais e o comissário de polícia Jacomet para ir novamente ao local, mas ela foi assim mesmo. No dia 24 de Fevereiro a aparição pediu oração e penitência pela conversão dos pecadores. No dia seguinte, a aparição convidou Bernadette a cavar o chão e beber a água da nascente que encontrou na escavação. Como a notícia se espalhou, essa água foi ofertada a pacientes de todos os tipos, e muitas curas milagrosas noticiadas. Sete dessas curas foram confirmados como desprovidas de qualquer explicação médica pelo professor Verges, em 1860. A primeira pessoa com um milagre certificado era uma mulher, cuja mão direita tinha sido deformada em conseqüência de um acidente. O governo francês vedou a Gruta e emitiu sanções mais duras para alguém que tentasse chegar perto da área. No processo, as aparições de Lourdes tornaram-se uma questão nacional na França, resultando na intervenção do imperador Napoleão III, com uma ordem para reabrir a gruta em 4 de Outubro de 1858. A Igreja decidiu ficar completamente longe da polêmica.
      Bernadette, conhecendo as localidades bem, conseguiu visitar a gruta à noite, mesmo quando vedada pelo governo. Lá, em 25 de março, a aparição lhe disse: "Eu sou a Imaculada Conceição". No domingo de Páscoa, 7 de abril, o médico examinou Bernadette e observou que suas mãos seguravam uma vela acesa e mesmo assim não possuiam qualquer queimaduras. Em 16 de Julho, Bernadette foi pela última vez à Gruta e relatou que "Eu nunca a tinha visto tão bonita antes". A Igreja, diante de perguntas e questionamentos de âmbito nacional, decidiu instituir uma comissão de inquérito, em 17 de Novembro de 1858.
    Em 18 de Janeiro de 1860, o bispo local declarou que: "A Virgem Maria aparecera de fato a Bernadette Soubirous". Estes eventos estabeleceram o culto mariano de Lourdes, que, juntamente com Fátima, é um dos santuários marianos mais freqüentados no mundo, ao qual viajam anualmente entre 4 e 6 milhões de peregrinos.
     Os Papas Bento XV, Pio XI e João XXIII visitaram o local quando ainda eram bispos, Pio XII, como delegado papal. Ele também declarou uma peregrinação a Lourdes em uma encíclica na comemoração sobre o 100º aniversário das aparições, completados em 1958. João Paulo II visitou Lourdes três vezes e o Papa Bento XVI concluiu uma visita lá em 15 de setembro de 2008 para comemorar o 150º aniversário das aparições em 1858.
     Em 18 de janeiro de 1862, Dom Laurence, bispo de Tarbes, deu a declaração solene: "Inspirados pela Comissão composta por sábios, doutores e experientes sacerdotes que questionaram a criança, estudaram os fatos, examinaram tudo e pesaram todas as provas. Chamamos também a ciência, e estamos convencidos de que as aparições são sobrenaturais e divinas, e que por conseqüência, o que Bernadette viu foi a Santíssima Virgem Maria. Nossas convicções são baseadas no depoimento de Bernadette, mas, sobretudo, sobre as coisas que têm acontecido, coisas que não podem ser outra coisa senão uma intervenção divina."7
     A Igreja Católica celebra uma missa em honra de Nossa Senhora de Lourdes (memória facultativa), em muitos países, em 11 de fevereiro de cada ano - o aniversário da primeira aparição. Em 1943 a história se tornou a base do filme A Canção de Bernadette. Jennifer Jones interpretou Bernadete, enquanto Linda Darnell retratou a Virgem Maria. O filme ganhou vários prêmios da Academia, incluindo um Oscar de Melhor Atriz por Jones.
 
     O Santuário de Nossa Senhora de Lourdes é uma área com várias igrejas e outras instituições construída em torno da Gruta de Nossa Senhora de Lourdes. Este terreno é propriedade administrada pela Igreja, e tem várias funções, incluindo atividades devocionais, escritórios e alojamentos para peregrinos doentes e seus ajudantes. O Santuário inclui a Gruta, torneiras próximas que dispensam a água de Lourdes, e os escritórios do departamento médico de Lourdes, bem como várias igrejas e basílicas. Compreende uma área de 51 hectares, e inclui 22 lugares distintos de culto.8 Há seis línguas oficiais faladas no Santuário: Francês, Inglês, Italiano, Espanhol, Holandês e Alemão.
 

INAUGURAÇÃO DA GRUTA NA COLÔNIA SÃO PEDRO

     A Gruta na então Colônia São Pedro foi inaugurada oficialmente e propositadamente em 11 de fevereiro de 1950, dia e mês que coincidem com a primeira aparição. Presentes na grande festa realizada o prefeito de Torres, Severiano Rodrigues da Silva, e o Bispo Diocesano de Caxias do Sul, a Diocese a quem pertencia a Paróquia, Dom José Baréa, além de demais autoridades estaduais.
     Nesse dia foi realizada a primeira missa e um pequeno avião conhecido à época como “teco-teco” sobrevoou o local e um paraquedista se jogou da aeronave. Mas ele ficou preso, pendurado em cima de uma das árvores ao redor da gruta. Conta Selau: “Foi um alvoroço e uma correria entre o público. Os moradores, junto com o piloto do avião – que havia aterrissado – conseguiram remover o paraquedista da copa das árvores. Esse foi considerado por muitos como “o 2º milagre” da Gruta.”
     O primeiro aconteceu quando das obras, entre 1948 e 1949, no dia em que uma pedra rolou de cima da gruta pelas escadas que estavam sendo construídas. Embaixo havia uma criança sentada. A pedra, mesmo rolando de uma altura considerável, milagrosamente parou atrás da criança, sem atingi-la.
   Além desses dois casos, não existem outros fatos inexplicáveis ou “milagres” sobre a Gruta, ao menos relatados pela população da então Colônia ou do atual município de Dom Pedro de Alcântara.
    Durante o dia da inauguração acorreram ao local pessoas de diversas localidades, mesmo distantes de Torres e da Colônia. Para receber todos esses convidados, os moradores próximos à gruta montaram bares em suas próprias casas para vender comidas e bebidas aos que ali iam. A missa foi rezada com muita fé e devoção pelo bispo Dom José Baréa e o santuário batizado como Gruta de Nossa Senhora de Lourdes.
     Em 1978, o então bispo Dom Benedito Zorzi pediu que cada paróquia fizesse uma “Romaria Vocacional” até o Santuário para rezar pelas vocações religiosas. A data estabelecida foi o último domingo de maio e naquele ano foi realizada a primeira Romaria à Gruta. Foi rezada uma missa e dada benção aos romeiros e as famílias levaram as “capelinhas” que visitam as comunidades. Surgia, assim naquele ano, a Romaria à Gruta de N.S. de Lourdes hoje uma festividade religiosa de âmbito estadual e que atrai de 10 a 15 mil pessoas a cada edição.
     Elas aproveitam para fazer pedidos à Santa ou agradecer por graças alcançadas, além de revigorar a fé e ter momentos de devoção. A festividade evolui para a “Romaria dos Motoqueiros”, em 2006, um antigo sonho do padre Roberto Pezzi, de Dom Pedro de Alcântara, realizado pelo padre à época, Severino Cracco, e pela Comissão dos Trabalhadores da Gruta. Desde então, motociclistas da região são convidados a participar da Romaria e também receber as bênçãos.
No ano seguinte, em 2007, sob a iniciativa do padre Leonir Alves, também com a Comissão, foi criada a “Cavalgada à Gruta”. No dia 17 de junho daquele ano cerca de 370 cavaleiros, vindos dos municípios do Litoral Norte e até do Sul de Santa Catarina, fizeram uma cavalgada até o local e, acompanhados por seus familiares, assistiram à Missa Crioula celebrada.

Capela São Sebastião, erguida por José Webber há 160 anos, em pagamento a uma promessa. Ao fundo a Gruta de N.S. de Lourdes.

Gruta de Nossa Senhora de Lourdes com imagem da Santa e de Bernadette Soubirous

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Texto e pesquisa do jornalista Nelson Adams Filho, com base nas seguintes fontes: José Krás Selau – livro Colônia São Pedro, Um Pouco de Sua História, edições 1995 e 2005 – Livro do Evento Dom Pedro de Alcântara – Marcas do Tempo, organizado por Nilza Huyer Ely, trabalho de pesquisa apresentado no evento e elaborado pela professora Deisi da Cunha Mengue, com os alunos Daniel Schwanck, Elaine Evaldt Model, Gabriela Farias Pinto, Janaina Leffa Schwanck, Keli Medeiros Model, Liziane da Luz Leffa, Patrine Justo Lumertz, Suélen Machado Justo, Tainá Behenck dos Reis, Taís Mengue Behenck, Tiago Leffa da Luz e Vanessa Justo Schwanck, da Escola Municipal Professora Luzia Rodrigues, em 2007 - site “Católicos On Line – Primeiras Aparições de N.S. de Lourdes – Lourdes, de Ruth Harris e Allen Lane/Londres 1999

A passagem de D. Pedro I pelo Passo de Torres, Torres, Arroio do Sal, Tramandaí e Santo Antônio da Patrulha

Ao transitar por Torres em 1826, o Imperador D. Pedro I não dormiu na casa do alferes Manoel Ferreira Porto Filho na noite de 5 para 6 dezembro, conforme conta a História do município e da região há 70 ou 80 anos. O Imperador pernoitou na Estância do Pacheco que se localizava junto à Estância do Meio, em área que hoje compõe o município de Arroio do Sal. O que antes era uma tese ou pesquisa (manifestada por mim no Volume I do livro HISTÓRIA - TORRES, Aspectos e no evento Raízes de Palmares/Capivari do Sul) agora é conclusão e passa a ser História dessa região do Litoral e do Brasil. Através de documentos e registros, depois de três anos levantada a questão, consegui prová-la. O fato é esse. D. Pedro viajou ao Sul do Brasil na Guerra Cisplatina que havia iniciado em 1825. A área que havia sido tomada pelo Brasil em 1817 estava se revoltando e, com o apoio da Argentina, buscando sua independência, realmente obtida, transformando-se na República Oriental do Uruguai.



O Brasil tinha um enorme contingente de soldados, armamentos e navios na bacia do Rio da Prata. Dos 10 mil praças que compunham o Exército àquela época, seis mil estava entre Montevidéo, Colônia de Sacramento, Maldonado e na fronteira. 96 navios, entre belonaves de guerra e transportes. O Império gastava muito dinheiro nessa guerra que, na verdade, era uma fantasia para D. Pedro. Ele tinha sonhos de conquistador, pois seu ídolo era Napoleão Bonaparte, que fora casado com Maria Louise, a irmã de sua mulher, a princesa Leopoldina. Em seu quarto tinha uma enorme pintura com os símbolos napoleônicos. Mas também não queria perder esse importante pedaço de terras que havia sido conquistado por seu pai, D. João VI. O Exército e a Marinha brasileiras na bacia do Prata era uma bagunça generalizada. De todos os tipos e jeitos. Na Marinha, por exemplo, os navios eram inadequados para navegar no estuário. Grandes, pesados, com tombadilho alto próprio para navegação em alto mar, não conseguiam se aproximar das margens, por onde navegavam as menores e ágeis embarcações argentinas. Isso impunha derrotas à Marinha Imperial que custavam vidas e prejuízos materiais. Havia ainda os erros estratégicos de batalhas, as incompetências entre o oficialato. No Exército, despreparo, improvisação, falta de ânimo nas tropas e doenças, além de soldo atrasado. A soldadesca estava com atraso de 5 meses no pagamento, mas os oficiais em dia; soldados morriam de desinteria, febre, pneumonia; faltava munição, armas, calçados, logística. Faltava também ânimo e motivo para lutar. Igual à Guerra dos Farrapos dez anos depois, enquanto os platinos lutavam por suas terras e famílias, os soldados brasileiros – muitos deles incorporados à força – não sabiam o porquê de estarem ali. Para tentar reverter todo esse quadro, D. Pedro nomeou o Visconde de Barbacena para Comandante do Exército no Sul do Brasil.


E decidiu viajar ao teatro de operações de guerra “para ver tudo com meus próprios olhos”, segundo expressou. Ele também aproveitava para sair um pouco da Corte onde fervilhavam as fofocas e comentários sobre seu caso amoroso com Domitila de Castro e Melo, a Marquesa de Santos. Com isso, “ganhava um tempo!” Francisco Gomes da Silva, o “Chalaça”, seu maior amigo e fiel escudeiro, e que o acompanhou na viagem ao Sul, resumiu assim a Guerra Cisplatina em suas Memórias: “A guerra com a República de Buenos Aires tornava-se eterna. Ainda nenhuma contenda entre dois povos foi mais destituída de resultados possíveis do que esta. Parece que o 
único objetivo das partes beligerantes era a destruição...As negociações para assentar a paz entre as duas nações falhavam sempre; e as operações das tropas na verdade pareciam dirigidas para nada se concluir. As despesas cresciam; os povos queixavam-se, e com razão; e S.M. vendo quanto tempo até então se havia perdido, determinou ir ver por seus próprios olhos o teatro de guerra...toda a Nação concebeu vivas esperanças desta expedição, que se reconhecia empreendida pelo Imperador com o fim de acabar com o flagelo da guerra, que tanto afligia o Brasil.” Ao pesquisar toda essa trajetória – e continuo pesquisando atualmente – encontrei uma série de erros, versões ou distorções históricas que não são o foco desse Capítulo. Vou relatá-las num livro que estou produzindo específico sobre essa incrível, maluca e única viagem de D. Pedro ao Sul do Brasil, em 1826. O foco aqui é a passagem por Torres, Arroio do Sal e região em dezembro de 1826. A fonte principal da pesquisa é a carta que D. Pedro escreveu à Imperatriz Leopoldina em 8 de dezembro de 1826 desde Porto Alegre (e aí existe um equívoco histórico, pois muitos historiadores e pesquisadores até de renome afirmam que ele chegou à Capital da Província nesse dia – 8 de dezembro -, mas a chegada correta foi em 7 de dezembro). Nessa carta ele relata a situação do Governo da Província e anexa um Itinerário de Jornada. Esse “Itinerário” registra os principais momentos da cavalgada entre N.S. do Desterro (Florianópolis) até Porto Alegre, desde a chegada na Baía das Canas Vieira em 30 de dezembro. Trata-se, portanto, de uma fonte primária incontestável, pois traz a assinatura do Imperador. Outros documentos e registros paralelos ajudam a entender essa trajetória e toda a situação. O que nos interessa aqui é a passagem de D. Pedro e sua comitiva por Torres e Arroio do Sal. Em seu Itinerário ele relata que na noite de 4 para 5 de dezembro dormiu numa barraca de sapé abandonada junto ao Arroio Grande que se situava na Sesmaria dos Rodrigues, a cerca de 17 ou 18 quilômetros da foz do Mampituba em área que se tornaria município do Passo de Torres. Antes D. Pedro havia passado por diversas localidades catarinenses à beira-mar, incluindo Laguna e Araranguá. Em Araranguá ele foi à procura do “tenente Machado” (não se descobriu ainda quem é e porque foi ter com ele) antes de continuar viagem. Às 5 horas e ¾ do dia 5 de dezembro, uma terça-feira, D. Pedro montou a cavalo, deixou a barraca de sapé e saiu do mato em direção à praia, onde chegou 15 minutos depois. Portanto, a referida barraca – que certamente era de serventia a pescadores – ficava perto da beira-mar. Às 6 horas e 30 ele encontrou “um oficial do Batalhão de São Paulo que vinha com ofícios”. Era o tenente coronel Francisco de Paula Soares, comandante do Baluarte Ipiranga e Inspetor-Chefe da Colônia Alemã das Torres. Meia hora depois a comitiva chegou às margens do Mampituba. Ocorreu a travessia e às 8 horas D. Pedro e Comitiva chegaram a Torres, provavelmente ao Baluarte Ipiranga, conforme relato de Paula Soares. Ali a primeira ação foi de lavar-se. A seguir tomou café-damanhã (no Itinerário ele chama de “janta”, mas pelo horário era o caféda-manhã). O relato seguinte é que às 2 horas e ¼ ele montou a cavalo e às 7 horas e ½ chegou à Estância do Pacheco “e ali dormimos” (expressão dele no Itinerário). Portanto, está bem claro que D. Pedro não dormiu em Torres conforme registrava a História até então. Muito menos na casa do alferes Manoel Ferreira Porto Filho. Importante destacar que ocorreram a salva de 101 tiros de canhão do Baluarte Ipiranga e uma farta recepção gastronômica ao Imperador. Não consta do Itinerário de Jornada, mas das “Memórias...” do tenente coronel Paula Soares escritas em 1844 a pedido do Visconde de São Leopoldo para fazerem parte das próprias “Memórias...” do Visconde. Conforme relato de Paula Soares, os disparos foram efetuados à chegada do Imperador e devem ter durado um bom tempo, pois eram quatro os canhões do Baluarte. Sendo assim, é de se supor que os tiros fossem divididos, cabendo 25 a cada um deles. Se computado o tempo mínimo de 4 a 5 minutos entre o disparo e a recarga, são no mínimo duas horas disparando. Imagine o que isso representaria de barulho para a pacata Torres com não mais de 1.200 almas morando na região! Com relação à gastronomia, Paula Soares explica que uma grande safra de peixes ocorrida em 1825 ajudou-o na recepção ao Imperador um ano depois: (mantida a grafia original) “...e os moradores do rio ariranguá aos q.es aranxei no lugar denominado Potreiro junto a barra do Rio Mompituba em 1825, onde fizerão uma grande pescaria com a qual muito fartavão efetivam.e os habitantes do lugar com Peixe fresco e com azeite do mesmo, sendo o seco, ou o Salgado remetidos em Carretas para o mercado de Laguna. Não forão perdidas as remessa assima relatadas como o tempo depois o justificou; sem Ella eu me veria bastante embaraçado p.a receber dignam.te naquele Prezídio o Augusto fundador do Impr.o e graças a previdência do Exm.o S. Leopoldo no remarcavel e glosioso dia 5 de Dezembro de 1826 no Baloarte Ypiranga das Torres.”


ESTÂNCIA DO PACHECO

A partir dessa constatação, passei a pesquisar onde ficava a referida Estância do Pacheco. Não há qualquer referência a ela nos registros históricos da região (ao menos descobertos até agora). Mas existem citações e referências aos Pacheco. No livro “Batizados e Casamentos da Paróquia de São
Jornalista Mano Lewis/Prefeitura Arroio do Sal
“Cavalgada Histórica” resgatou a trajetória de D. Pedro I entre Torres e a Estância do Pacheco. Domingos das Torres”, do pesquisador Marco Antônio Velho Pereira, existe o registro de número 113 que aponta o batizado de Joaquina, em 30 de maio de 1830. Os avós maternos são Manoel Pacheco e Maria Cardoso de Jesus, ambos procedentes de Laguna, e pais de Ana Cardoso de Jesus. Portanto, para ser avô Manoel deveria ter entre 35 e 40 anos, idade suficiente para ser proprietário de terras. Eram procedentes de Laguna/SC e lá pesquisei junto à Casa Candemil, ao Arquivo Histórico e mesmo ao Cartório do Registro de Pessoas. Não há nenhum registro. No livro de “Batizados...”, porém, há vários registros de batizados da Família Pacheco em datas posteriores. Também na Guarda e Registro de Torres a partir de 1827 existem várias anotações da passagem de Manoel Pacheco dos Santos indo e voltando de Laguna. A Guarda tinha um Livro de Registro de passagens de pessoas, animais e carretas, com o nome, quantidade de pessoas ou animais, a data e o valor do pedágio. Manoel Pacheco aparece em vários deles. Mais uma prova da existência dos Pacheco na região e seu vínculo com Laguna. Mas o documento definitivo que comprova a existência da Família Pacheco na área que seria o município de Arroio do Sal está no Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul e foi relacionado pela historiadora Vera Lúcia Maciel Barroso no trabalho “De Santo Antônio da Patrulha a Torres – Relações Litorâneas (1809 – 1857)” apresentado no Raízes de Torres 1995. Nele, Vera Lúcia apresenta uma relação dos moradores na Estância do Meio, em 1846. Lá está o nome de Manoel Pacheco dos Santos. Portanto, ele era morador na Estância do Meio ou próximo a ela e certamente seria o proprietário da “Estância do Pacheco” onde D. Pedro I pernoitou. Para completar, em setembro de 2014 o prefeito de Arroio do Sal, Luciano Pinto da Silva, motivado por mim com as pesquisas e a possibilidade concreta de D. Pedro I ter pernoitado no município, promoveu uma “Cavalgada Histórica”. Desde a Praia da Guarita até onde se completassem as 5 horas de cavalgada relatadas por D. Pedro em seu “Itinerário de Jornada.” Com tal atitude o prefeito Luciano quis reforçar as pesquisas sobre a passagem e o pernoite do Imperador na região (em Arroio do Sal), apropriando assim, para o município, esse momento histórico.
Fizeram parte da “Cavalgada”, além do prefeito, o vereador José Deoclides Nunes da Silveira, o secretário municipal de Turismo, Mateus Coelho Ribeiro, a Família do ex-Patrão do CTG Rincão da Estância, Celso Nunes, sua esposa, a professora Andréia Nunes (exsecretária Municipal de Educação e Cultura), os filhos Miguel e José Henrique Santos Nunes. A mais jovem integrante da “Cavalgada” foi Andressa da Silva Padilha, de apenas 12 anos, acompanhada por seu pai, Eracy Padilha. Ainda presentes no início da jornada o delegado de Polícia e pesquisador Ari Raupp Vieira, a fotógrafa Vana Rodrigues e a diretora do Jornal Diário Gazeta, Angelita Vieira. Depois de 5 horas – e mesmo enfrentando chuva e vento Sul – a “Cavalgada Histórica” chegou ao Centro de Arroio do Sal, junto ao arroio que deu nome à cidade. Lá estavam a recepcioná-la 1ª Dama Gilséia de
Foto do autor no Arquivo Histórico do RS, Fundo Militares.
Registro do Pedágio de Torres em 1827 e nele consta varias vezes o nome de Manoel Pacheco indo e vindo de Laguna em direção a Torres. Mais uma prova da existência da Família Pacheco na região.
Oliveira, a secretária municipal de Educação e Cultura, Iara Schaly Melo, o secretário de Administração, Jucilei Pereira da Silva, além do jornalista Mano Lewis e eu. Portanto, somando os documentos existentes (fontes primárias) e os demais indícios, afirma-se que a Estância do Pacheco ficava junto à Estância do Meio, futuro Arroio do Sal. Outras evidências são relatadas por August Saint Hilaire em seu livro “Viagem ao Rio Grande do Sul” em que registra a existência, em 1820, da Estância do Meio e do Sítio do Inácio, junto à Lagoa dos Quadros. D. Pedro também afirma em seu Itinerário que depois de sair da Estância do Pacheco, às 5 horas e ¼ do dia 6 de dezembro, chegou às 8 horas no Sítio do Inacinho. O Sítio nada mais era, conforme Saint Hilaire, do que uma extensa área de terras e uma choupana onde morava um preto velho responsável por receber a correspondência que vinha de Rio Grande, Porto Alegre ou Viamão e destinava-se a Torres ou Laguna/SC. Também cuidar algum gado ali pastando. O proprietário Inácio José de Araújo (era dono de vasta extensão de terras próximo ao mar), morava “do outro lado do lago” (era assim que os moradores à época denominavam a Lagoa dos Quadros) onde havia plantações de mandioca, milho, etc. Ficava mais ou menos onde se situa o município de Terra de Areia.

ESTÂNCIA DO PEIXOTO

Os mesmos equívocos históricos ocorrem em Santo Antônio da Patrulha, pois o Itinerário de Jornada do Imperador nada registra do que a História local relata. D. Pedro diz que no dia 6 de dezembro, às 4 horas e ¾, chegou à Estância do Peixoto “e ali ficamos” (expressão dele). Portanto, nada do que a História de Santo Antônio da Patrulha apresenta até agora com relação à passagem de D. Pedro é correto. Nem a Comitiva chefiada pelo médico Marcos Cristino Fioravante, presidente da Câmara de Vereadores de Santo Antônio da Patrulha, que teria ido recepcioná-lo em Torres; nem o Piquete de cavalarianos que recebeu o Imperador na entrada da cidade, inclusive com a relação de seus componentes; ou a recepção ao Imperador na Câmara de Vereadores; a Fonte de onde foi retirada água para servi-lo (e que existe até hoje, sendo local histórico e turístico da cidade); seu pernoite na residência de Fioravante e os móveis da casa, e a missa rezada pelo padre José Ricardo Novaes na Igreja Matriz na manhã do dia 6. Todo esse registro histórico não existe, pois D. Pedro diz que chegou à Estância do Peixoto “e ali ficamos”. No dia seguinte, às 5 horas e ½ montou a cavalo e já às 7 horas e ½ estava na Estância do Quilombo em direção à Porto Alegre, onde chegou às 7 horas e ¼ do dia 7 de dezembro de 1826. Conforme minhas pesquisas, existem em Santo Antônio da Patrulha duas áreas que podem ser a Estância do Peixoto daquela época. Uma que se localiza ao Sul da Lagoa dos Barros, a cerca de 20 quilômetros da barra do Tramandaí (barra a qual D. Pedro relata sua travessia), pertencente a Francisco da Silveira Peixoto, ao qual o médico Fioravante tinha laços de parentesco. A outra área também denominada Estância do Peixoto e igualmente pertencente à Família Peixoto, só que a outro ramo (os irmãos José da Silveira Peixoto e Francisco da Silveira Peixoto, homônimo do anterior). Localizava-se em direção ao “Caminho Real” que levava a Porto Alegre, a cerca de 8 quilômetros da “cidade baixa” de Santo Antônio da Patrulha e atravessada pela RS 030 – antiga estrada que fazia o acesso de Porto Alegre às praias. Ali havia (entre 1810 e 1850) um curral que recebia todo o gado que transitava pela região para descanso e alimentação. Era um ponto de referência e provavelmente foi nessa Estância do Peixoto onde o Imperador pernoitou. Caberá aos historiadores e pesquisadores de Santo Antônio da Patrulha tentar definir esse enigma e corrigir as informações da História local com relação à passagem do Imperador. Mesmo enfrentando resistências e contrariedades naturais a qualquer mudança. BARRA DO TRAMANDAÍ Outra constatação do “Itinerário de Jornada” é quanto à passagem de D. Pedro pela barra do rio Tramandaí. Ela ocorreu dia 6 de dezembro, depois que ele deixou o Sítio do Inacinho. D. Pedro diz que chegou ao rio Tramandaí às 12 ½ e que o atravessou seguindo para Porto Alegre às 13 horas e ½ . Portanto, levou 1 hora para fazer a travessia. Esse curto tempo inviabiliza uma história (ou lenda) local de que ele teria sido recepcionado com um lauto almoço pela senhora Maria Bernarda, pessoa abastada e que morava numa casa de pau-apique ao lado da enorme figueira centenária que ainda existe no centro de Tramandaí. Sabedora de que o Imperador por ali iria passar, a tal senhora foi a Conceição do Arroio (Osório) abastecer-se do que melhor havia em alimentação para recepcioná-lo. Também existe a lenda local de que na travessia o Imperador deu uma moeda de ouro a um negro responsável pela passagem e que com esse dinheiro ele teria sustentado sua família por muitos anos. As lendas existem e resistem à frieza dos fatos por serem lendas. Mas o registro da recepção festiva não se concretiza pelos fatos narradas pelo próprio Imperador: “...saimos às 9 ½ [do sitio do Inácio] chegando ao Rio Tramandaí às 12 ½ atravessamolo, e seguimos p Porto Alegre à 1 ½ , chegamos à Estância do Peixoto às 4 ¾, e ali ficamos.” Esse, portanto, é o relato histórico da passagem de D. Pedro e sua comitiva pela região de Passo de Torres/SC até Santo Antônio da Patrulha, entre 4 e 7 de dezembro de 1826. Através dele se descontrói toda uma “História” contada na região há 70 ou 80 anos por vários historiadores e pesquisadores, como Aurélio Porto, Ruy Ruben Ruschel, Dante Laytano, Carlos Hunsche, Juca Maciel, entre outros. E replicada em sites e blogs – principalmente de Prefeituras, Câmaras de Vereadores, agências de Turismo e Viagem. Em História não existem erros nem verdades permanentes. Mas há determinadas informações que são originárias de fontes primárias e essas não têm contestação. O Itinerário de Jornada de D. Pedro I é uma dessas fontes primárias incontestáveis. Se a História da região vem sendo contada de forma equivocada há muitos anos é outra situação. Na condição de Jornalista que sou, prefiro ficar com Éric Hobsbawn que afirma ser função do historiador [que ainda não sou!] “lutar contra a mentira” [no caso não chega a ser mentira, mas uma desinformação ou distorção do que realmente ocorreu, sabe-se lá porque motivos]. E com Roger Chartier ao escrever que abandonar a verdade é “deixar o campo livre a todas as falsificações e falsidades que, por traírem o conhecimento, ferem a memória.” Deixemos de lado o preguiçoso e cômodo control C, control V da internet que a tudo copia, replicando e “virulando” textos, e nos dediquemos ao atrativo, desafiador e prazeiroso campo da pesquisa de campo, em busca de documentos, fontes, formulando teses, hipóteses e teorias. Mesmo que isso ponha por terra histórias relatadas há 70, 80, 90 ou 100 anos.

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FONTES: Itinerário de Jornada, documento anexo à Carta de D. Pedro I à Imperatriz Leopoldina em 8/12/1826, Museu Imperial de Petrópolis/RJ; Memórias do Conselheiro Francisco Gomes da Silva, “O Chalaça”, Editora Souza, 1959; Viagem ao Rio Grande do Sul, Auguste Saint Hilaire, Martins Livreiro/Estante Riograndense União Seguros; Paróquia São Domingos – Formação Étnica e Primeiras Famílias, Marco Antônio Velho Pereira; República Catarinense, Henrique Boiteux, Xerox do Brasil/1985; Torres Origens, Ruy Ruben Ruschel, edição Gazeta/1995; Fernando Lauck, Acadêmico de História, Santo Antônio da Patrulha/2014; Renato José Lopes, IHG Santo Antônio da Patrulha/2014; Santo Antônio da Patrulha, Re-Conhecendo sua História, EST/2000; depoimento de Luciano Gomes Peixoto sobre a Família Peixoto a Nelson Adams Filho; História do Brasil, Alberto Rangel; Brasil Império, 1º Reinado, Osvaldo Rodrigues Cabral, Vol I; Memórias do Visconde de São Leopoldo, compiladas e ordenadas pelo Conselheiro Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo, do IHGRJ, de agosto de 1873 – colaboração do historiador Paulo Rezzuti; Reminiscências de Minha Terra/Santo Antônio da Patrulha, Juca Maciel, edição EST/1987; Titília e o Demonão, Paulo Rezzuti, Geração Editorial 2014/SP; Raízes de Torres 1995, “De Santo Antônio da Patrulha a Torres, Relações Litorâneas 1809 a 1857”, Vera Lúcia Maciel Barroso, EST/1995; Casa Candemil, Cartório de Registro de Pessoas e Arquivo Histórico/Laguna/SC/2014; Tramandaí – Terra e Gente, Leda Saraiva e Sonia Purper, 2ª Edição 1996; O Lavrador e o Sapateiro, Memória, Tradição Oral e Literatura, Rodrigo Trespach, EdiPUCRS 2013; “Memórias de Torres”, Francisco de Paula Soares Gusmão, Revista do Arquivo Público do RS/1924; fotos jornalista Mano Lewis, Prefeitura de Arroio do Sal/2014; fotos do autor no Arquivo Histórico do RS – Fundo Militares.

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